Entramos de mãos dadas pelas sombras, abrimos as portadas, sentimos o cheiro, olhamos por um banco vazio, uma cadeira já gasta, um qualquer lugar para nos embrulharmos naquele xaile.
Tudo é denso, é denso o copo de vinho que nos servem, é densa aquela voz…, aquela voz que nos invade. Por fora procuramos ficar transparentes, pequenos, encostados a um qualquer canto. Mas por dentro a nossa alma está viva, podemos sentir calmamente a nossa alma crescer, a subir, a subir….
Tu sentes-te vivo, muito vivo, a guitarra toca numa dança simples com aquela voz, tudo é tão natural, tudo é tão especial…
E então tu percebes que a tua vida também é tão simples, olhas os teus companheiros enquanto esvazias o primeiro copo, não falas com eles, mas olhas para eles, e vês vida nos olhos deles, sentes que também já eles fazem parte daquela dança, também já eles fazem parte daquela tela, tudo está no sitio certo.
A música não podia ser melhor, a guitarra não podia soar melhor, aquele dedilhar mágico, tão suave, os teus amigos são os melhores, são puros como tu, deixas-te rir por dentro enquanto o fado chora por fora, e então tu és Rei na tua vida, sentes que os teus valores são os certos, olhas à tua volta e vez gente que são teus irmãos, são todos tão perfeitos.
Sentes-te grato pelo convite, sentes-te grato por teres embarcado naquela viagem, sentes-te pequeno ao pé de tudo aquilo, amas todos, principalmente os que partilham contigo pão e vinho.
Cada vez te focas mais nas letras, nas vozes, nos comportamentos, e então uma madeixa cai sobre um olho…
Tudo pára para ti então, o tempo parou, aqueles pequenos dentes brancos que aparecem no meio de uns lábios perfeitos, fixam-te violentamente.
Como só agora a viste!?, pensas tu, naquela tela escura pintada a negro e encarnado, no canto da sala brilha a perfeição.
Despejas violentamente o resto do vinho por ti a dentro, agora existe um foco de luz invisível naquela sala escura, como é possível tamanha beleza…
Deixas que aquela droga tome conta de ti, a maior droga de todas, olhar para aquele olhar perdido, aquele olhar que se entrega há guitarra intensamente, por momentos abre ligeiramente a boca, por momentos pisca os olhos, e tu pensas que loucura!
Que beleza…
Bebes mais um copo, que bom está o vinho, que bem canta a fadista, mas como será que ela se chama, onde é que ela esteve este tempo todo, aquele cabelo encaracolado, aquela pele morena, e tu escravo, e tu pequeno, entregas-te perdidamente…
Davas tudo por um beijo, davas tudo por um sorriso para ti, davas tudo por um momento de exclusividade com aquela princesa, sentes-te pequeno ao pé de tanta perfeição.
Mas então toca mais um fado, mais uma voz rouca conta caminhos e viagens feitas por outros, e tu procuras firmar os pés no banco, aquela música emociona-te ao se misturar com a visão da mulher da tua vida, ao se misturar com aquele ambiente denso, com aquele vinho suave, ao misturar-se com a tua juventude…
Tudo está em aberto para ti, e então avanças, sais de cima do banco e escorregas ligeiramente, apoias-te num velho que está ao balcão e caminhas…
Chegas perto da mesa, passando mesmo ao lado da fadista, mesmo a fadista cantando na sua emoção, repara em ti.
Encostado à mesa daquela princesa, desajeitadamente baixas-te e dizes baixinho, de forma a que ela oiça:
- Amo-te. Sei que é uma parvoíce, sei que para ti não sou mais do que uma pedra suja no meio de tantas outras no teu caminho para casa. Mas mesmo as pedras sujas às vezes têm sorte e alguém as mete no bolso. Casa comigo!
Surpreendida ela não consegue esconder um ligeiro sorriso, dá a entender que quer ouvir a música, mas observando-te mais demoradamente diz-te:
Senta-te nesta cadeira ao meu lado se quiseres, pede mais um copo de vinho, esvazia o teu pensamento, vamos ouvir fado.
sexta-feira, dezembro 30, 2011
Fado
quarta-feira, dezembro 21, 2011
Cor-de-Rosa
Mãe matei um homem….
Carla ao tirar o soutien sabia onde tudo ia acabar, sabia a força que tinha, sabia que já não dava para voltar a trás.
Meias que lhe chegavam ao joelho, aquele pequeno rabinho metido nas suas cuecas cor-de-rosa, aquelas cuecas a que ela e o namorado chamavam cuecas dos dias tristes.
Saltou para cima do sofá e começou a dançar, um peito pequenino oscilava dentro duma t-shirt branca, era fácil perceber aqueles bicos rijos por trás do algodão.
Olhou o homem e disse-lhe:
- O meu pai disse-me que o único obstáculo entre mim e a felicidade sou eu mesma, acontece que ele não sabe que eu sou feliz!
O homem respondeu com os olhos a arder de luxuria, porque não dizes ao teu pai que és feliz?
Ao dizer isto o quarentão tentou alcança-la, procurando segurar-lhe a barriga.
Carla chutou o homem na cara suavemente, ele obedeceu.
- Meu senhor jamais posso dizer ao meu pai que sou feliz, mas posso dizer-te a ti porque sou feliz, queres saber?
- Porque hoje, meu querido, vais morrer!
Ao dizer isto Carla aproximou-se do homem e beijo-o na boca, deixou ficar a língua dentro da boca dele e rodou, rodou um pouco mais, ainda um pouco mais…
Começou a escorrer alguma saliva da boca colada de ambos, o homem procurou afastar-se, ao procurar afastar-se sentiu uma mão na parte de trás da cabeça dele que o pressionava, que o obrigava a ter a boca colada na dela.
Mesmo sentindo-se dominado o homem saboreou o cheiro a lavanda e perfume que vinha da pele dela…
Apercebeu-se então que ela na posição em que estava não tinha possibilidade de segurar a cabeça dele com tanta força, realizou imediatamente com terror – Alguém lhe empurrava a cabeça, cada vez com mais força em direcção à boca dela!!
Procurou soltar-se, procurou sacudir-se, e então Carla afastou-se, afastou-se e olho-o fundo nos olhos, os olhos dele já não mostravam luxuria, mas sim terror!
Tentava virar-se, mas quem lhe segurava a cabeça, agora com as duas mãos, não lhe dava hipótese de se virar…
Carla ao olhar para ele sorriu, mostrou aquela boca de lábios perfeitos, de dentes brancos, e ficou assim por momentos a vê-lo debater-se em pânico…
Cuspiu-lhe para a cara, em seguida lambeu tudo devagar….
Ele começou a relaxar, começou a achar que tudo fazia parte de uma fantasia, começou a gostar de sentir a sua cabeça completamente fixa, enquanto Carla lhe desapertava a braguilha, começou a imaginar quem lhe seguraria a cabeça, começou a imaginar que fantástica mulher de braços fortes o segurava assim. Ao sentir o primeiro contato do seu membro na boca dela, começou a pensar se também iria ter sexo com essa mulher que lhe violava a cabeça, não lhe permitindo ter outro campo de visão.
Carlos estava cada vez mais excitado, sentia perto o momento da explosão, não podia segurar mais e deixou-se ir, fechou intensamente os olhos…
E assim morreu, assim de repente sentiu uma ligeira torção no seu pescoço, essa torção ganhou força, e por momentos pode ver os braços fortes e peludos que o matavam.
O charmoso quarentão cai prostrado no chão, Daniel abraça Carla beijando-a de forma voraz.
- Vamos para França meu amor, sinto-me feliz, sinto-me leve, vamos viajar e consumirmos-nos intensamente, sabes que te amo e tenho amor do tamanho do mundo para te dar.
Quero abrir aquele vinho, quero dançar aquela música, ai… como quero segurar a tua cintura nesses vestidos que vais comprar. Nada vai chegar para nós, não vão haver lençóis suficientes para nos enrolar, não vão haver linhas suficientes para nos fazer flutuar…
Vamos viver para o romance, porque palavras leva-as o vento, vamos fazer coisas que façam parar o tempo, tu e eu Carla, tu e eu somos capazes de fazer parar o tempo sabias?
Carla olho-o fundo nos olhos, deu-lhe um beijo emocionada e fechou os olhos, afastou-o um pouco da sua cara, ele olho-a e achou-a mais bonita do que nunca. Ela de olhos fechados, perfeita disse perdidamente:
- Daniel, acabámos de matar de matar o meu padrasto, acabámos de selar riqueza para toda a vida, mas não há lugar para ti nesta viagem amigo, nesta viagem onde vou conhecer tudo o que de melhor o mundo tem para oferecer, só há lugar para mim e para a minha Mãe!
sábado, outubro 01, 2011
Outono e Uvas
Pedes-me para escrever sobre o Outono e sobre as uvas…
Deixa-me apenas escrever sobre as uvas, deixa-me apenas escrever sobre cachos, deixa-me apenas escrever sobre Lucas, Lucas o rapaz que trabalha na Fnac!
Lucas, o rapaz da Fnac é bonito! Sim é verdade Lucas é bonito, não sei se é inteligente, mas é bonito…
Lucas não repara nas raparigas, está demasiado absorvido com ele próprio, está demasiado absorvido com a música que lê, com os livros que ouve…
Elas param por lá, elas dançam por lá, elas ficam loucas com o Lucas, elas ficam húmidas com a indiferença, elas vibram com os acordes que de violoncelo da música de Lucas.
Lucas fuma como se não houvesse amanhã, e no meio do seu hálito de cinzeiro deixa a sua audiência quente, quente com a profundidade das suas palavras, com o a tristeza fingida que vende naturalmente.
Ele sabe que no fundo não é infeliz, ele sabe que no fundo gosta de as ver arranhar-lhe as costas de prazer, lá no fundo ele gosta de rir após uma noite de prazer com aquelas princesas que dormiram com ele apenas por acharem que é dele que nasce a arte.
Por acharem que é dele que nasce a cultura e todo o seu misticismo, porque ele é demais…
Porque é demais dar uma foda com um primo que não se sente integrado, com um primo que está sempre triste, que gosta de um som triste…
Mas Lucas embora vibre sabe que come hipocrisia ao pequeno-almoço, e sabe que é novo e que muito da imagem que passa é estratégia. Lucas sabe que ainda é uma fraude!
Talvez um dia possa haver uma fusão entre o que ele quer que pensem dele e aquilo que ele é, mas hoje ele sabe que ele é uma ideia, e uma ideia que flutua no ar sem ter qualquer ligação ao real.
Mas Lucas lá no fundo quer algo, não sabe ainda o que quer, mas quer! Ontem ao ver Patrícia toda nua debruçada sobre a mesa lembrou-se do Jorge.
Jorge Palma cantou-lhe num CD velho que …” na terra dos sonhos toda gente trata toda a gente por igual…” ele olhou para aquela princesa e sentiu que era lixo, e sentiu que só na terra dos sonhos vale a pena viver.
Ao sentir-se lixo percebeu que era Ouro, e ao bater no fundo percebeu que tinha nascido, e ao agarrar-se ao que valia a pena percebeu que o Peso é a maior leveza que se pode encontrar!
sábado, abril 02, 2011
Tu acordas
Tu acordas, tu deslizas…
Lá fora as bombas a cair, na TV a guerra é em directo…
Bem-vindo ao fabuloso mundo, bem-vindo ao olho por olho, ao dente por dente.
Passas o dedo pela minha perna, passas o dedo pelo meu peito. Que suave! Gritas para todo o prédio que me amas, abraças-me com força, as tuas pernas entrelaçam-se no meu tronco…
No jornal espalhado na cama lê-se em letras garrafais que os políticos roubam, que o País está em crise, e tu amachucando-o ligeiramente com o teu pé, com esse teu pé delicado, esse teu pé de unhas pintadas, perfeitas! Esticas-te para mim, por cima das tuas costas espreito, vejo o paraíso.
Espetas o teu rabo e beijas-me ardentemente.
Somos nós e nosso mundo, somos nós e o nosso castelo!
Lá fora a sol brilha um sol prateado que cobre todos, lá fora o ar também é puro, por momentos parece que tudo está bem, parece que não se morre de fome, parece que os Países se movem por caridade e não apenas no sentido de satisfazer os seus interesses!
Quando entro dentro de ti, quando as tuas pernas bronzeadas enchem o quarto reflectido luz, quando essa tua lingerie branca que arranquei sem racionar está agora caída no chão, tudo afinal está bem.
Afinal o mundo cresceu, afinal sabemos que estamos entre irmãos, afinal ouvimos a voz!!
A voz exclusiva de dentro!
Os teus caracóis, os teus olhos castanhos sabem quando me perco, venham mais perder-se! Venham mais de uma vez, venham beber copos com os seus familiares, embebedaram-se intensamente, vamos ser excessivos, vamos transbordar!!!!!
Porque nada mais presta, porque nada mais vale a pena do que um beijo, porque tudo é efémero, porque o dinheiro é lixo! Porque o prazer de possuir coisas é vazio!
Se querem possuir, se querem possuir verdadeiramente!
Possuam a vossa mulher. Façam amor a todas as horas, façam amor com a vossa mulher e a seguir saiam para o café e juntem-se com os vossos amigos e façam amor outra vez, façam amor bebendo e comendo, dizendo-lhes nos olhos que gostam da companhia deles!
E depois vão a casa dos vossos familiares e façam amor outra vez…
Porque mais nada vale, porque mais nada presta!
Porque as pessoas…, porque as pessoas… não sei?!
Acho que as pessoas só são boas para quem querem…, ou então umas são mais ou menos boas, outras mesmo boas e muitas outras más. E sempre foi assim!
Não sei nada, aliás isto não é mais que escrever parvoíces que estalam na minha cabeça enquanto canta o Brandon Flowers.
Nós, as pessoas, nós, o Mundo, no que toca ao nosso relacionamento com os mais distantes, com aqueles de quem não somos amigos ou familiares, não somos grande coisa.
Somos maus.
sábado, março 12, 2011
Se a torre Eiffel falasse…
Sentado no velho banco de pau observo o céu.
Lá fora o castanheiro dança para mim, que parvoíce, agora que estou velho é que o castanheiro dança para mim…
Está um vento fantástico, é Verão. Está uma tarde lindíssima, este vento novo, irreverente, insiste em mandar-me para dentro de casa. Mas hoje não, hoje vou ficar por aqui, afinal o castanheiro está a dançar para mim…
Todos foram, todos…
Mas também outros tantos apareceram, e eu sempre soube que ia ser assim, afinal na minha mesa ficava sempre um lugar vazio, não fosse chegar alguém com fome!
Com fome de comer, com fome de ler, com fome de partilhar ou apenas escutar…
Tanto na minha mesa como na minha vida sempre houve lugar para mais um. Pessoas boas fazem sempre falta, conheci várias, enterrei bastantes…
Lembro-me bem daquelas noites quentes na adega, poetas, escritores, curiosos das artes e mais qualquer um que trouxesse paz. Revelavam-se e bebiam vinho como se o amanhã não viesse. Saudade…
Eu por vezes tentava olhar de longe aquela gente da minha idade, muitos conhecia desde rapaz e pensava.
Caramba!
Fiz amor hoje de manhã com a mulher mais incrível de todas, a minha! Almocei com os meus belos filhos, e agora desfruto desta gente onde também estão os meus irmãos, bebendo cada palavra, saboreando cada ponto de vista, que maravilha!
Se sou boémio? Claro que sim! E espero ter dias em que também sou bom.
E assim nesta contemplação sei que tudo é tão simples, tão simples…
Olho para o meu jardim, foi ali que dancei contigo tantas vezes, ali debaixo do castanheiro que plantei contigo. Há…. Quem me dera…
Quem me dera tocar outra vez naquelas tuas nádegas firmes, que belo era o teu corpo, que bela eras quando dançavas aninhada no meu peito, nesse mesmo peito onde adormeces todas as noites desde há muito…
Ainda bem que enquanto lavas a nossa loiça não consegues ouvir os pensamentos deste teu velho, pois não ias gostar de saber como sinto falta do teu rabo firme!
Sim é verdade! Sinto falta de te ver vestir, sinto falta da tua cintura fina e pernas longas…
Ai…, sinto falta do teu peito farto, sinto falta pois! este teu velho ainda está bem vivo, que pensas!?
Ainda ontem pensei nas nossas noites em Paris, aquela bela e chuvosa Paris, aquele quartinho barato e tu nua perto da janela. A intensidade com que partilhávamos aquelas taças de vinho, a intensidade com que respiravas no meu pescoço. Como queria tirar outra vez aquela foto onde se vê o bico do teu peito e logo a seguir por trás da janela a torre Eiffel. Aquela torre espreitando os nossos corpos jovens e suados…
Se a torre Eiffel falasse…
domingo, fevereiro 08, 2009
O Beijo terminou
A falta de atitude é o sangue que corre dentro das veias da cobardia.
Abraço e a minha enorme gratidão.
Pedro.
sábado, agosto 02, 2008
Transparente
Uma brisa fresca descompõe-me o cabelo, sem dúvida este janela deixa entrar uma luz
sublime...
Encontro-me a experimentar uma dor que muitos já conheceram, procuro palavras para dizer o que muitos também quiseram dizer, sinto o desespero de não saber como fazer, como tantos outros desesperaram…
Tenho que dizer ADEUS!
Procuro inspiração lá fora, fecho a janela e fico a ver as oliveiras dançar ao sabor do vento.
Desvio os olhos para os olhos azuis do meu avô, que olhos…
Olhos carregados de sabedoria, mas isso nem é o mais importante, porque o que realmente se destaca naqueles olhos são a sua beleza, belos porque sim, belos porque a beleza não se questiona, belos porque a beleza não precisa de explicação!
Aqueles olhos de 92 anos sempre foram belos, desde a primeira golfada de ar que o são…
Ele olha para mim, olha para mim com aquela superioridade natural das pessoas bonitas, sorri ligeiramente não sabendo como a sua postura é altiva naquele momento. Altivez essa que tanto se contrapõem com a humildade de que sempre fez mote.
Nisto um pardal choca contra a janela num grande estrondo, procuro ver o animal.
O pardal não caiu morto como a outros por vezes acontece nestas situações, ficou preso nas pernas duma cadeira que por ali se encontrava, quieto, parado, abrindo o bico várias vezes, completamente ausente de tudo.
Eu não conseguia tirar os olhos daquele momento, esperava algo, esperava qualquer coisa…
Nisto o pardal começa a escorregar pelas pernas da cadeira a baixo não conseguindo segurar-se a nada, claramente não sabia como voar, não sabia sequer como equilibrar-se, e eu ali impotente também eu um tanto bloqueado observando aquela cena do outro lado da janela.
Finalmente o pardal cai no chão ficando ali assim ausente, parado, quieto, apenas abrindo o bico, preso entre dois mundos…
De repente senti que a minha vida estava ligada à vida daquele pardal, senti que também a minha vida estava suspensa…
Acabei por desistir de esperar algo daquele pardal ali assim, quieto, parado…
Continuei a conversa com o meu avô que não se tinha apercebido da situação, de vez em quando olhava encontrando sempre o pardal parado abrindo o bico ausente de tudo.
No fim quando me vim embora olhei uma última vez, não encontrei o pardal em lado nenhum, fiquei um tanto aliviado!
Talvez tenha voado, ou então desapareceu instantaneamente quando ninguém estava a ver…
domingo, maio 04, 2008
Sim
Sim eu sei, que caminho por areias movediças…
Sabes, nem sempre é fácil perceber que o tempo passou, nem sempre é fácil constatar que o sorriso embora igual já não tem o mesmo brilho…
Não fácil caminhar com alegria, quando as pernas doem…
No entanto o cheiro a terra molhada continua a transportar-me para o paraíso, e como tal ele existe, claro que existe!
Quando te vejo correr para os meus braços cheia de alegria, quando vejo a felicidade pura estampada no teu rosto de criança de 5 anos, sei o que é felicidade.
Olhar para os teus caracóis castanhos, olhar para os teus olhos azuis, olhar bem fundo e perceber que és minha filha, que és o único pilar que realmente faz sentido na minha vida, perceber tudo isso numa fracção de segundo é perceber que o tempo e a vida não nos pertence mas que são algo de fantástico e isso não podemos negar!
Espero partilhar contigo muitas discussões, daquelas discussões intensas em que tu filha de quem és te reveles uma força da natureza, que defendas o teu ponto de vista com unhas e dentes e no fim quando vires as tuas pretensões goradas, sim! Porque por vezes vais ver as tuas pretensões negadas, vais velas goradas porque vais querer mais do que podes receber, é normal está no teu espírito, mas eu fonte de todo amor, e para ti na idade que tens fonte de toda a sabedoria e poder, vou negar-tas com firmeza e tristeza sabendo porem que faço o que é certo…
Então vais fechar-te em ti mesma e vais chorar de raiva!
Então eu furtivamente vou entrar no teu quarto e ao observar a raiva e a impotência por falta de poder nos teus olhos, por ver-te Leoa aprisionada por minhas ordens, vou ver em ti a força que em tempos eu tive, vou ver em ti a chama forte que em tempos ardia no meu peito.
Então num misto de alegria e tristeza vou sentir-me orgulhoso da mulher forte que te tornaste e triste por perceber que o meu tempo passou…
sexta-feira, abril 25, 2008
Encontros
Está tudo triste não vale a pena inventar, não vale a pena pintar bonitos quadros, não vale a pena fazer de conta e dizer para dentro e para fora na mesa do café que não é bem assim.
Se ao menos conseguisse criar em mim a magnifica realidade da inocência!
Mas eu não sou inocente, infelizmente não sou inocente, e quando saio à rua vejo bem, vejo muito bem!
Vejo a dor, vejo os caminhos cheios de pedras para quem não tem força para andar, vejo pesos na costas daqueles que são leves como penas e ainda assim não desistem…
Puta que pariu!
Vejo flores lindas serem pisadas, vejo flores lindas serem exploradas, vejo uma liberdade que não existe, vejo uma fraternidade que nunca existiu.
Foda-se, toda gente sabe que nunca existiu, pontualmente vemos gente que se ama de verdade, que se ajuda de verdade, vemos gente que realmente sofre pelos outros, mas pontualmente…
Não me interessa se hoje somos muito mais humanitários que no passado, apenas sei que nesta bela orquestra que é o mundo todos tocam o seu instrumentozinho para si, e o barulho é ensurdecedor!
Quem me dera não ouvir…
Sim, claro que sim, claro que temos os heróis do nosso tempo, pessoas que realmente gastam o seu tempo a pensar como melhorar a vida dos outros, pessoas que dedicam toda a sua vida a ajudar! A ajudar infinitamente…
Invejo-os, não são fracos como eu, não são uns merdas como eu que se limita a flutuar fazendo o seu esforçozinho para não ir ao fundo.
Mas felizmente para mim e infelizmente para o mundo não estou sozinho nesta vivênciazinha mesquinha, não….
O meu vizinho é um miserável cobarde como eu, assim como o vizinho dele e toda a nossa aldeia…
domingo, abril 13, 2008
Vento
Ele sobe agora as escadas, vem de rastos…
Senta-se no gasto cadeirão, reflecte nos seus 34 anos…
O que ele viu hoje marcou-o para sempre, jamais será o mesmo, percebeu finalmente…
Talvez ainda não seja tarde de mais…
Bom! Mas o melhor é começar pelo princípio, vou contar-vos tudo.
Lucas era sem duvida o miúdo mais fofinho do 5º Ano, todas lhe escreviam pequenos bilhetes cor-de-rosa dissertando sobre como era lindo que o amavam para a vida toda que queriam sentar-se sempre a seu lado na sala de aula.
Lucas estava a um passo de fazer o seu primeiro desfile internacional, desde os 14 anos que era economicamente auto-suficiente e agora aos 16 começava a construir uma carreira de manequim.
Lucas não fazia contas, acabara de pagar um enorme apartamento e poucas coisas lhe davam mais prazer do que conduzir o seu rápido topo de gama, apenas talvez quando fumava um charro e logo a seguir entrava fundo no corpo de uma bela mulher.
No alto dos seus 20 anos desfrutava do paraíso na Terra.
Lucas fazia um esforço enquanto bebia uma garrafa de champanhe na praia para se lembrar com tinha sido a sua primeira vez, não conseguia. Enquanto pensava observava as curvas da bela asiática que dormia a seu lado, colega de profissão com quem vinha dormindo casualmente há um mês, tinham ambos 28 anos.
Já de manhã sozinho no quarto do hotel apercebia-se de como uma tristeza que sempre existiu no seu coração tinha vindo nos últimos anos a crescer, a crescer de tal forma que se tinha tornado um fardo tão pesado que ele quase não conseguia suportar.
Lucas nunca tinha tido uma relação que durasse mais que 6 meses, tinha estado com mulheres de todo o mundo, tinha partilhado com elas experiências fantásticas, conhecido lugares lindíssimos, mas nenhuma lhe tinha tocado no coração. Ele também nunca tinha procurado envolver-se, às vezes sentia que começava a nascer nele alguns sentimentos por esta ou aquela mulher mas rapidamente começava a detectar nelas alguns defeitos, alguns aspectos ridículos que o irritavam de morte. Sentia então uma rápida vontade de terminar tudo.
Outras vezes achava que a relação tinha tudo para dar certo, que gostava mesmo dessa rapariga, mas depois num qualquer bar, restaurante ou até sala de cinema via uma outra jovem que lhe despertava o interesse, então astutamente lançava-se numa enorme cruzada de conquista que com maior ou menor dificuldade vencia!
Aquela tristeza estava a fazer dele um farrapo, amanhã era o seu dia de aniversário, fazia 34 anos.
Cada vez tinha menos cuidado com a sua imagem, cada vez o álcool e o cannabis eram sua maior companhia, das poucas vezes que saía para beber um copo constatava que o seu encanto com as mulheres já não era igual, que a noite já não era igual, que a sua profissão já não era igual, mas também não se importava, basicamente ele não se importava com nada…
Tinha combinado passar o dia de anos em casa dos pais, chegou ao terminal de autocarros e optou por ir a pé para casa em vez de chamar um táxi.
Passou pelo velho jardim onde brincou enquanto criança, sentou-se e acendeu um cigarro, ficou ali a olhar para as árvores.
O som de crianças a brincar chamou-lhe a atenção, observou então os velhos escorregas onde brincavam duas crianças que deviam ser irmãs, um rapazito com não mais de 5 anos e uma menina de 3, bonitos bastante loirinhos.
Reparou então nos pais das crianças que estavam ali por perto, a Luísa e o Ricardo, conhecia-os bem. O Pai das crianças tinha sido seu colega de escola, tinham nascido no mesmo ano, nunca tinham sido amigos. O Ricardo sempre fora conhecido na turma por ter muitas dificuldades em aprender, e também por não ter jeito para praticar desporto. Lembrava-se agora de Luísa uma rapariga não muito bonita, um tanto gordita e cheia de borbulhas também da sua turma.
Eles tinham começado a namorar no 9º ano. Enquanto observava melhor Luísa constatava que era uma mulher agradavelmente bonita, via-se que era a mãe daquelas duas crianças, mas ainda assim bastante atraente. Tinha envelhecido bem!
Ficou a olhá-los sentindo aquela tristeza explodir dentro dele como um vulcão…
sábado, março 01, 2008
Viagem
Que sabor…
A minha língua percorre a tua perna a alta velocidade, estás tão quente….
Sabes a sal…
Entro em ti e depois saio, saio devagar, fico a olhar para ti com esse ar arquejante de quem quer e não quer ao mesmo tempo.
Volto a entrar suavemente, satisfeita outra vez, pergunto?
Volto a sair suavemente…
Afasto-me, saio da cama, encosto-me ao canto do quarto.
Enquanto dou mais um gole no fabuloso vinho que abrimos, olho-te.
Que perfeição!
Deitada na cama, nua, a tua silhueta é perturbadora, olhas para mim com esse ar de leoa enquanto fumas o nosso “preparado”, percorro o teu corpo centímetro a centímetro com os meus olhos e penso em mim…
Penso como sou jovem, como tenho a sorte de mergulhar toda a tarde neste corpo jovem e rijo que se encontra na minha cama, ficava dias assim neste estado de semi-bêbado, nesta semi-realidade.
Atiro o copo vazio para cima da cama, eu vou a seguir, desta vez não tenciono sair e entrar…
Ao veres-me avançar viras-te de costas para mim, agarrado a ti ao segurar no teu cabelo somos só um, vamos iniciar a viagem desta tarde!
Que incrível fricção, que loucura, provavelmente o mundo vai acabar, de certeza que fizemos a terra mexer… de certeza!
Esta loucura parece não acabar, não quero explodir, não sinto vontade de explodir, apenas ficar assim até a exaustão…
Lá no fundo sei que não vai durar para sempre…
Mas tu és toda gemidos e prazer, estás noutro mundo eu sei.
A dada altura sinto que até eu não faço parte desse teu planeta de prazer, és apenas um todo de convulsões e eu o alimento para que nada te falte!
Gritas agora enquanto regressas…, hoje fui apenas o barqueiro, pois o local novo onde foste nesta viagem eu não conheci.
sábado, dezembro 29, 2007
Tempo
Tropeço nas pedras, tropeço na vida…
Dentro de mim navega qualquer coisa de estranho, qualquer coisa de cruel que não consigo decifrar…
Como qualquer sombra esconde-se e aparece, sorri e tanta outras vezes chora loucamente…
Tropeço nas pedras, tropeço na vida…
Sento-me, peço mais um copo, bebo de imediato. De imediato também eu estou dentro do copo, flutuo naquele líquido como um náufrago…
È isso que eu sou no meio de todas estas pessoas, no meio desta cidade, não passo de um náufrago! Pelo menos é assim que eu me sinto…
Procuro em desespero encontrar alguém, procuro apurar a visão na esperança de ver qualquer coisa, mas nada!
Já passou tempo demais desde que naufraguei…
Já passou tempo demais desde que te perdi…
Procuro em vão algo para me agarrar, procuro olhando para dentro de mim, procuro olhando para fora de mim, mas nada!
Finalmente chega qualquer coisa, finalmente está a chegar o mensageiro do engano! Finalmente o álcool abraça-me. Ébrio, sabendo que me agarro a um galho que não existe agrada-me o falso calor de sentir que não vou cair.
Mas tem de haver uma porta, tem de haver uma janela eu sei…
Tem de haver um caminho, tem de haver alguém para abraçar…
Chuto a cadeira!
Chuto o copo! Sai de mim mensageiro do engano! Eu sou melhor que isto, eu sou melhor que nada, porque é isso que eu sou neste momento, sou nada! E nada é tudo o que vejo à minha volta…
Bato a porta do bar atrás de mim cuspindo palavrões que ardem na minha boca, já na rua inspiro fortemente, uma dor forte invade-me o peito ajoelho-me no chão agarrado ao coração!
Não pode ser verdade…
Não pode ser verdade coração de tantas lutas que agora que começaste outra vez a bater vais parar…
sexta-feira, outubro 19, 2007
Ligeiramente
Não me canso de te ver nua…
Ao tocar-te reparo que és toda altinhos…
Como é possível ficares em pele de galinha se ainda só agora te toco pela primeira vez esta noite…
Dou dois passos a trás…
Contemplo-te.
Nem acredito que vais deixar…, nem acredito que posso realmente abraçar-te assim contra o meu corpo, nem acredito que estamos aqui! Assim…
Beijo-te delicadamente as costas, que ombros lindos…
Sinto-te estremecer ligeiramente, vou descendo…
Toco com os meus lábios nos teus, adoro o teu cheiro, de onde estou não vejo a tua cara embora saiba bem que expressão tens….
A minha língua entra ligeiramente, ligeiramente a paz daquele quarto vai acabando, ligeiramente tu vais dançando levemente…
Continuo tranquilamente tocando com a minha língua nesse teu pequeno mundo, mexo-a indiferente a loucura de convulsões que vivem em ti, neste momento em que a minha boca se cola ao teu centro vivemos realidades tão diferentes e tão iguais…
Esquecido do tempo a minha língua dança suavemente dentro de ti, dentro de mim dança uma paz sobrenatural enquanto tu pareces escrava de um prazer que te vai consumindo irreversivelmente…
Afasto-me lentamente, observo-te assim curvada à minha frente, a tua cara de felicidade pede mais, o teu sexo pede mais…
Sim hoje vou dar-te tudo!
Entro em ti segurando-te as ancas, acabou a suavidade neste passeio, agora vamos acelerar loucamente até nos despistarmos numa qualquer curva…
Não demorou muito…
Explodimos os dois, tu ligeiramente primeiro….
Caies de barriga para baixo perdida…
Eu caio em seguida em cima de ti, o silêncio volta reinar gradualmente…
Não tarda vou adormecer em cima de ti, tu sabes disso, sinto-te escapar por baixo de mim…
Mais uma vez vivemos realidades diferentes, não quero mais nada se não adormecer…
Já tu agora sentes que és capaz de conquistar todo mundo se fosse necessário…
quarta-feira, outubro 10, 2007
Vício
Achas mesmo que não sou viciado?
Claro que sou!
Repara bem nos meus anéis, repara bem no meu olhar quando falo para eles, repara bem como me respeitam…
Sim sou viciado, o dinheiro é importante para mim. Mas não pelo que posso comprar com ele mas pelo poder que ele me trás!
Claro que sou viciado, adoro o poder que tenho, adoro respirar fundo olhando-os nos olhos sabendo que sou o melhor! O que tem mais poder…
Claro que todos me respeitam, mas toda esta magia, toda esta aura que me acompanha para todo o lado sai-me muito caro.
Sei que por ser viciado pago com a minha vida, com a vida dos meus filhos, com a vida da única mulher que amei e que é a barra onde me agarro quando fico de gatas!
SIM!
Porque eu, o melhor de todos, o mais respeitado também caio, também eu por vezes me sinto pequeno, não mais que um pequeno insecto!
Então só ela me sabe erguer do chão e voltar a fazer de mim o Líder que todos precisam e que tanto prazer me dá ser!
Vivo para isto, sou bom, aliás sou o melhor! Mas não porque tenha qualquer dom, mas porque corro mais que os outros, porque quando todos vão dormir eu ainda estou a meio da minha empreitada, não beijo o meu filho as vezes que gostaria porque estou demasiado ocupado a pensar como posso ultrapassar e vencer onde muitos acabaram por desistir…
Por isso não hesitem em cobrir-me de ouro e respeitem intensamente o meu nome, pois é com o meu suor que junto as pedras que protegem a minha casa!!
terça-feira, setembro 18, 2007
Sono
Agora que me sinto abandonado pouco mais me resta que a minha já um tanto gasta cama…
Recebe-me amiga e confidente, embrulha mais uma vez este já teu conhecido corpo e leva-me a passear…
Vamos mais uma vez voar juntos, vamos mais uma vez partilhar sonhos onde o tempo não existe!
Vamos partilhar sonhos onde a luxúria e o prazer se misturam, onde corpos nus olham para nós meio envergonhados não resistindo a deitar-se a nosso lado…
Indiferentes, tu e eu, recusamos primeiro, dizemos que não compreendemos porque querem deitar-se connosco, pedimos várias vezes para se vestirem e para irem para suas casas, mas eles não querem. Olham para nós com aqueles olhos lânguidos pedindo-nos que os usemos!
Por fim decidimos não mais dizer que não, e acabamos por fazer amor com todos eles como se não houvesse amanhã….
segunda-feira, agosto 20, 2007
Suave
Carrego no frágil botão…
Sento-me no velho cadeirão já gasto, aquela música evade-me, mistura-se comigo…
Provo o vinho, que suave…
Começo a dançar comigo mesmo, oiço aquele som tão perfeito, aquela voz que entra dentro de mim…
Abro a janela espreitando o mundo lá fora, sou beijado pelo vento, termino o primeiro copo…
Atiro-o! Fico a vê-lo descer, oiço finalmente o som! Oiço o som do vidro partir, em seguida grito, grito bem alto pedindo ao mundo que me abrace!
Sirvo-me de um segundo copo, troco a música, esta agora vai envolver-me de outra forma…
Assim passa o tempo, assim passa o vinho…
Despeço-me da última gota da garrafa, e agora sei onde estou, agora navego bem longe, agora sou mil personagens, agora sou Pai sou filho...
Sou terra sou mar…
O velho lápis ainda não parou de riscar velhas folhas, elas são donas de tantas memórias, de tantos caminhos…
Caminho pelo corredor tentando não fazer barulho, o álcool empurra-me contra as paredes…
Ai…
Como sinto vontade de me embrulhar em ti, como queria agora sussurrar-te mil e uma situações, algumas verdadeiras…
Pintar-te vários quadros enquanto fazemos amor, mergulhar em ti enquanto nada em mim aquele rubro vinho, toco nos teus redondos seios ouvindo a magnifica letra da música estalar na minha cabeça…Gostava que fosse minha…
E gostava que tu fosses minha, mas não és…
Nem a letra daquela angelical musica, nem tu que és a perfeição feita mulher….
terça-feira, julho 17, 2007
Lucas
15:00 (4-09-01)
Cheguei a casa…
Fogo, não entendo…
Porque é que as pessoas pisam!?, pisam tanto…
E eu sou tão inofensivo, sou tão pequeno, qual é o mal se choro quando oiço um determinada musica, qual é o mal se ao ler um livro viajo para longe, qual é o mal se tenho a capacidade de me entregar e deixar que as belezas do mundo façam de mim seu escravo!
Abro a porta, sou imediatamente abraçado por ela, sou beijado intensamente, enquanto mergulha o nariz no meu pescoço segreda-me que me ama…
A partir daqui a realidade começou a desvanecer-se, e tudo o que nos rodeava começou gradualmente a não ter importância, tudo é relativo, nada é importante, sou todo prazer e suor… A explosão do orgasmo coloca-me um resistente sorriso na boca, mesmo sabendo que lentamente volto para este mundo demasiado mau!
Ai…, se não pudesse fugir para esta perfeição de mulher e para a arte que outros fizeram, como aguentaria o enfado do grosso dos meus dias!
Quem é sensível ao toque da arte e do amor sabe do que estou a falar…
Bom, tenho de ir trabalhar. Uma gota de suor cai-me da testa, vejo-a agora descer por ti abaixo, desliza pelas tuas curvas. Penso, que sublime…
(FIM)
quinta-feira, julho 12, 2007
quinta-feira, junho 07, 2007
Lucas
15h:20m (4-09-01)
Uma gota de suor cai-me da testa, vejo-a agora descer por ti a baixo, desliza pelas tuas curvas. Penso, que sublime…
14h:40m (4-09-01)
Caminho tristemente, como odeio toda essa treta do status…
Mas afinal o que é isso do status?
Há já sei, é uma constante preocupação sobre a percepção que os outros têm de nós, realmente é muito importante o que os outros pensam de mim, aliás é importantíssimo!
O pior é que eu não consigo perceber porque é importante, pelo menos para mim nunca foi importante, mas parece que lá no fundo toda a gente valoriza o nobre estatuto…
Ora por falar em estatuto, reparo agora que eu tenho um estatuto baixíssimo, pelo menos é o que me parece, pois tenho estado aqui a pensar em alguém que realmente me respeite, e sinceramente não me ocorre ninguém…
Caminho tristemente porque me foi incumbida a importantíssima missão de entregar um envelope a um senhor de fato que vai estar à minha espera num determinado restaurante que não conheço mas que sei onde fica.
Quando me foi ordenado que desperdiçasse assim a minha tarde, estava a compor uma música na minha viola, parecia-me que ia ficar lindíssima, senti naquele que momento que essa melodia não iria chegar a nascer, foi assassinada à nascença por esta ordem cruel!
Desta forma caminho devagar, tristemente, como se prestasse um ultimo ritual fúnebre, aquela fantástica melodia que nunca vai ser nada, e talvez pudesse vir a ser tudo…
Nunca vou saber...
(CONTINUA…)
quinta-feira, maio 24, 2007
Palavras
Cheguei agora.
Sabes que estou demasiado excitado para dormir…
Estive no escritório até muito tarde, depois fomos todos jantar, acabámos por beber demais.
Logo de manhã ao estacionar o Mercedes bati com a jante no passeio, passei-me!
Bom…, mas isso não importa, o que importa é que te amo, e que ontem a nossa facturação na empresa bateu todas as previsões. Vai ser um grande ano!
Tenho pensado tanto em ti, ontem enquanto almoçava a correr no restaurante do costume imaginei-te a cozinhar para mim. Apenas de avental cozinhavas qualquer coisa à pressa na nossa virtual cozinha, era branca com uma enorme bancada e janelas largas cheias de luz, devia ser um sétimo andar.
Quem sabe um dia tenhamos uma assim…
Sinto tantas saudades, és a mulher mais linda que já vi, todos os homens olham para ti na rua…detesto!
Apenas o meu portátil me faz sentir mais perto de ti, crio apresentações em PowerPoint com fotos tuas, abro um dos meus melhores vinhos e passo assim a noite contigo, vendo cada foto tua como se fosse pela primeira vez…
Tenho de ir meu amor, ainda tenho de acabar um relatório antes dormir, espero sonhar contigo.
Beijo
Cícero.
Subi para cima da árvore…
Sentei-me confortavelmente, senti um ligeiro calor na barriga, o sol brilhava agora com força.
Coloquei o xilofone em cima das pernas, comecei a tocar…
Juntamente com os pássaros sentia-me flutuar para outro mundo, uma pequena brisa sacode-me o cabelo, lembrei-me de ti…
Sinto uma saudade avassaladora dos teus lábios, reparo agora que faço parte duma extraordinária orquestra.
Sinto-me tão mole…
Desço da árvore, estico a pequena manta e deito-me, começo a ler…
Tenho os olhos tão pesados…
Algumas formigas irrequietas partilham a manta comigo, algumas insistem em também ler o meu livro.
Não me importo, sinto-me tão mole…
Está tão quentinho aqui na erva, com o sol como guardião sinto-me adormecer.
Acho que vai ficar por aqui a minha carta, lá ao fundo vejo agora um coelho correr, vou adormecer não tarda, o som das cigarras embala-me…
Só já falta um mês para te beijar…
Beijo
Alexandra.
sábado, maio 12, 2007
sábado, abril 14, 2007
Caminhos
Residem dentro de mim duas personalidades em tudo distintas.
Dois espíritos antagónicos que jamais concordarão…
Sei que é a existência dos dois que me traz equilíbrio e que ao mesmo tempo me agita.
O primeiro vive para as artes, é pobre, mal tem dinheiro para comer, alimenta-se da beleza das searas e do abraço do velho que passa.
O segundo é materialista, competitivo. Saboreia o conforto e não vira costas à ostentação.
Flutuo nestes dois mundos trantando-os por tu, são meus amigos, meus irmãos.
Regularmente sentamos-nos os três numa qualquer mesa de café, partilha-mos memórias e vinho, umas vezes de reserva outras de um qualquer garrafão, conhecemo-nos bem...
quarta-feira, janeiro 10, 2007
Verde
Olhei-me ao espelho, sorri para mim.
Aquela cara jovem de dentes brancos sorriu-me de volta, sim gosto de me ver ao espelho! Não tenho vergonha de o dizer, gosto da imagem do jovem distinto e bem parecido que o espelho me devolve.
Componho o nó da gravata, verifico se o fato negro feito por medida assenta bem, volto a sorrir.
Não sou feliz, eu sei.
Confirmo as horas no meu “ Breitling”, mesmo no ponto, tenho de ir.
Beijo Joana nos lábios apressadamente, penso que se chama Joana, passámos uma noite deliciosa. Jantámos divinalmente, bebemos loucamente, e por fim amámo-nos selvaticamente.
Valeu o dinheiro.
Bato a porta do quarto, apanho o elevador que ia descer, nem sequer olho para a recepção, já na rua peço para irem buscar o meu carro ao parque, hoje não posso mesmo chegar atrasado…
Vejo chegar o meu carro conduzido pelo funcionário do hotel, apaixono-me outra vez. Não, não tenho namorada, muito menos mulher, amo loucamente várias coisas todas elas sem vida, uma delas é o meu “ Mercedes-Benz SLR Mclaren”.
Sou correspondido eu sei!
Chego em cima da hora, sou brindado com os “Como está Doutor”, como odeio essa gentinha pequena que andarilha pelo casino como abutres.
Empurro as portas laterais, já lá estás, esperas por mim, eu sei. Não, não precisas de me dizer, sabes que és a minha rainha, minha única e fiel companheira.
Sento-me de frente para ti, vamos mais uma vez dançar, dançar mil músicas, sei que me vais contar conversas antigas, diversos finais iremos voltar a ouvir, já os conhecemos todos…
Partilhamos uma taça de “ Moet & Chandon", sei que sou teu escravo, sei que não sei viver sem ti, sei que lá no fundo só não sou feliz por causa de ti. No escuro em casa por vezes grito o teu nome para ver se te esqueço mas é impossível, chega a hora e faço os mesmos rituais, dou os mesmos passos, amada Roleta, caminho sempre para ti…
Cinco horas trocámos beijos, cinco horas ganhei.
Abro a custo a porta do quarto de hotel, sinto-me o animal mais solitário do mundo, estou um tanto enjoado e cambaleante, bebi demais. Bebo sempre demais quando ganho.
Coloco um cd, “Frank Black – Honeycomb” invade o meu quarto, sento-me na gasta cadeira apoiando os braços na pequena mesa, coloco a mão timidamente na minha carteira.
Agarrado ás velhas fotografias choro compulsivamente, tudo agora é mais difícil, tudo agora custa a nascer em mim, procuro pela enésima vez escrever-te.
Os meus pequenos textos para ti não são mais do que sombras do que em tempos já escrevi, não posso mais cantar a arte se estou tão triste…
Esta tristeza que me consome, esta tristeza que eu sei matar se quiser, esta tristeza que eu não vou vencer…
Um dia faltarão os objectos para me alimentar, os vícios, esses já pouco me conseguem fazer sorrir. Pensei que era possível, mas já devia saber a resposta, nunca nada vai conseguir preencher o teu lugar…
Nem nada nem ninguém!
Pelo menos assim quero acreditar…
quinta-feira, dezembro 28, 2006
Viagem
Sento-me no pequeno banco, um orgulho enorme instala-se no meu peito, como é fantástico depois de tantos anos voltar a esta cidade que me viu nascer, voltar desta forma…
Aliso a barba olhando-me ao espelho, lá fora tudo parece uma revolução. Várias vozes gritam sem parar, sinto que para lá da minha porta cresce uma excitação sem controlo.
Apuro o ouvido, procuro perceber o que aquela multidão excitada diz.
Gritam o meu nome.
Visto as calças de cabedal, procuro organizar o meu pensamento, não consigo…
Já não sou eu que governo o meu corpo, corre lado a lado com o meu sangue um ácido que domina, é ele que me governa agora. Graças a ele vou transportar aquelas pessoas, vou dar-lhes o que vieram aqui buscar, vou servir-lhes sensações, vou colá-las a mim e voaremos juntos para um estado mais puro. Vão chorar, sorrir, talvez se sintam inspirados, talvez se arrepiem…
Sei quem sou, sei qual é a minha missão, sei como fazer, venham beijar-me a mão pois esta noite vou consumir-vos enquanto sou consumido.
Estalam luzes, observo as primeiras caras perto das grades, o meu nome é gritado estridentemente, atiro um “boa noite”, a música logo de seguida contamina todos.
Sinto-me entrar numa viagem que tão bem conheço mas que nunca é igual.
Salto para o meio deles, a meio desabotoada camisa é agora cobiça de muitos, toco em várias mãos, sinto o som subir atrás de mim.
Claramente este público é diferente a excitação é diferente, ou será que sou eu neste local especial que estou a dar algo diferente?
Volto a subir para o palco, paro a musica, paro tudo. Estou a chorar.
Fico quieto, observo aquela moldura humana, milhares gritam loucamente, alguns choram comigo, ajoelho-me.
Procuro tapar o rosto agora coberto de lágrimas, digo-lhes porque que me sinto pequeno perante tal espectáculo, digo-lhes que sou apenas mais um factor de entretenimento, que não tarda o tempo vai devorar-me.
Eles começam a cantar, cantam a minha música a uma só voz, cortam com o silêncio e sem qualquer instrumento oferecem-me uma melodia que nasceu dentro de mim.
Um a um os elementos da minha banda começam a tocar, arranco o micro do suporte e salto, salto o mais que posso!
Volto a ser leão, danço comigo próprio cantando, chego perto das grades beijo agora todos os que posso, arranco a camisa atirando-a longe, sinto que não sou humano, sinto que esta viagem é única.
Arranco para mais uma canção, parece-me que todo o mundo tem os olhos em mim, sou todo convulsões, sou todo espasmos, adrenalina corre em nós todos, o publico está perdido de entusiasmo, todos dançam, todos cantam, quase todos fumam…
Outra canção, e mais outra, esta viagem não pode parar, agarro na guitarra atiro-a para o público, descalço as botas atiro-as também, o som por trás de mim enlouquece-me, sim, devo estar louco mas esta viagem não pode parar!
Algumas pessoas despem-se também enquanto dançam, eu deixei de cantar apenas danço, a banda lá a trás toca desalmadamente, ao som daquela música inebriante todos dançamos, estamos unidos por qualquer coisa que não sei explicar, eu e o meu público somos um só.
Corro pelo palco, agora giro em volta de mim mesmo, procuro girar cada vez mais depressa, aquele som intenso toca cada vez mais depressa, mais depressa, mais depressa...
Caio estrondosamente no palco, perco os sentidos, o público estanca, o silêncio senta-se no trono.
A viagem não pode parar…
terça-feira, dezembro 19, 2006
Neve
Chego cansado perto do riacho.
Ajoelho-me, lavo a cara destruindo o meu reflexo, também eu me sinto destruído.
Deixei tudo para trás, caminho há mais de sete dias, mais sete estou na fronteira…
Quando sinto vontade de desistir, quando o frio é tanto que me impede de pensar, quando a fome me deixa tonto, é o calor da tua cama que me faz caminhar, é a esperança de um dia melhor para nós que me fortalece os músculos.
Às vezes parece-me que falas comigo, consigo ouvir a tua voz na minha cabeça, nem sempre percebo o que dizes, mas sei que me estás a dar força.
Quando procuro dormir para esquecer a fome costumo pensar na tua cara, concentro-me na perfeição dos teus lábios, nos contornos do teu nariz, na pureza dos teus olhos, sorrio sabendo que és tudo o que quero.
Ontem de noite ouvi um tiro, devia ser um qualquer caçador, o meu sangue gelou, pensei que não mais te iria ver, depois fiquei em paz, senti dentro de mim que tomei a decisão certa, a guerra dos outros não era para mim…
A minha guerra era outra, a minha guerra era criar o nosso filho com o amor que temos e com as artes do mundo. Agora não o posso ver a razão da minha vida, não o posso abraçar, quantos anos passarão sem o ver crescer…
Quando ainda as nossas mãos caminhavam juntas no jardim, quando a minha única preocupação era dizer que te amo no dia seguinte, um homem no café perguntou-me o que eu pensava sobre ir para a guerra. Eu disse-lhe que um homem que apenas procura amar e procriar nada faz na guerra. Aliás seria um empecilho.
Um homem que todos os dias dança com os pássaros, um homem que cada vez que beija o filho chora, um homem que esquece o tempo quando contempla a sua mulher nua nada faz no teatro do horror, um homem assim sabe bem o que tem de fazer.
Por isso caminho sem parar, alguns dirão falta de coragem, eu digo que ninguém me manda ceifar o meu irmão, certos caminhos um homem só os deve percorrer se realmente o quiser.
Chove agora intensamente, já não tenho água, tenho bebido uma qualquer nos riachos, sinto que não falta muito para chegar.
Esta manhã vi um homem morto no pinhal, talvez mais um que tentou a sua sorte. Na terra dele irão dizer que desertou que foi um cobarde, eu escrevi na pedra que este homem para não matar, morreu!
Também eu, as vezes tenho medo, tenho medo de não te beijar jamais, mas sei algo que me protege e me dá força para continuar, tu caminhas comigo.
E quando as minhas pernas se recusarem a caminhar, caminharei com as tuas, e se um dia as nossas pernas não conseguirem andar mais tal seja o cansaço, então nessa altura caminharei com as pernas do nosso filho, e essas finas pernas escalam montanhas, atravessam rios, correm dias seguidos se assim tiver de ser.
Como tal, sinto no meu peito que não tarda estarei na fronteira, talvez esta vida ainda nos reserve um belo jantar na nossa casa, onde servirás paz e amor num ambiente de liberdade…
domingo, dezembro 10, 2006
Resposta
- Porque choras?
- Porque te amo.
- È fácil dizer que me amas, explica-me esse amor então!
- Tudo bem. Ouve com atenção.
Corro, corro vorazmente.
Ninguém percebe, porque ninguém quer perceber. Não, não interessa se é comigo que danças, não interessa se é comigo que dormes, não é nada disso.
Não te estou a falar de posse, não vês? Eu não sou o carrasco, eu não sou o patrão o dono.
Eu sou a puta da humildade.
Eu sou a pureza feita mulher, não quero nada. Tudo o que vier até mim terá de ser dado, terá que ser oferecido. Sim falo do teu amor, nada mais.
Quem me oferecer o maior dos presentes, estará a dar-mo, mas no entanto não mo dá porque quer, mas sim porque se sente obrigado a fazê-lo. Sente-se obrigado a fazê-lo porque também ele ama, porque também ele é escravo. E como escravo que é quer dar sem pensar em receber.
Assim como eu.
Mas no entanto tu não lês, és analfabeto, és uma besta.
Tocas-me mas os teus dedos nada compreendem, partilhas comigo o vinho mas não reparas que as minhas faces estão rosadas, reviro os olhos quando vais fundo dentro de mim, mas tu apenas arquejas de prazer.
Danças uma valsa contigo mesmo há vários anos. Sim amigo é verdade, acorda! Nunca estiveste acompanhado, nunca cantaste partilha, nasceste para caminhar sozinho.
Tu já estas apaixonado, não sobra lugar para mim, há muitos anos que amas outra pessoa, uma pessoa que te toma por completo não deixando espaço para ninguém!
Essa pessoa és tu.
Por isso continua essa tua caminhada, espero que demores a encontrar o lago, porque quando o vires irás chorar lágrimas de sangue, nessa altura vais compreender tudo mas aí será tarde demais…
Toma esta foto minha para o resto da tua aventura, guarda-a bem no bolso para quando encontrares o lago, e podes ter a certeza que isso vai acontecer, vais ver nele o teu reflexo, vais ver nele o teu feio retrato, as tuas rugas…
Primeiro chegará a tristeza que te irá consumir como um vulcão, depois subtilmente vai chegar a loucura, nesse momento estarás perdido.
Quando o primeiro laivo de suicídio chegar há tua mente observa a minha foto, mergulha fundo nos meus olhos azuis e contempla…
Desfruta de tudo o que perdeste, desfruta de tudo o que podias ter tido, observa bem o teu amigo a passar na rua pois ele é dono de uma felicidade que te pertence.
Ele vai passar por ti e tu aí farrapo de homem vais ver que ele sorri. É nesse momento que saberás que chegou a hora de pores um fim há tua pobre existência.
Beijo de ódio.
quarta-feira, dezembro 06, 2006
Outono
As folhas castanhas colam-se aos pés, árvores, todas choram, consigo ver bem…
Passa por mim um casal jovem, também eles choram, não sei porquê…
Sozinho deambulo pelo jardim, olho para o astro, tão cinzento, tão enevoado, de certeza que está a chorar…
Não chove, apenas um frio que aquece é minha companhia, aquece-me a alma, traz-me uma réstia de felicidade que não sei de onde nasce.
Sou invadido por uma leve brisa, como cheira bem…
O aroma a terra molhada envolve-me, junta-se a mim na última caminhada, eu sabia que ele se vinha despedir. Sempre para mim foi Rei e Senhor, o mais nobre dos perfumes…
O cheiro da mãe natureza, o cheiro da minha Mãe!
Continuo a caminhar, o pequeno jardim ficou para trás, desbravo por lamas rijas, estou quase lá…
Reparo no velho pomar, ai se pudesse voltar a trás, porque não posso arrancar quarenta anos de vida, como quem rapa um cabelo comprido.
Apenas por um dia, apenas por um dia…
Naquele velho pomar, corri, saltei, cai, chorei, mas principalmente ri! Ri muito, troquei abraços, beijos, palavras de amizade…
Lembras-te filho? Foi aqui que tantas vezes brincámos, foi aqui que te castiguei, foi aqui que selámos uma amizade para todo o sempre, foste sempre bom, sempre amigo da família, irmão que nunca tive.
Foste embora cedo demais…
Chego finalmente, debaixo do velho carvalho estou em casa.
Tive várias casas, vivi em vários lugares, assim a profissão o exigia, mas só aqui me sinto em casa, sempre foi assim…
Sento-me no mocho que há muito estava destinado a ser o meu último trono, olho a paisagem, tudo é castanho, tudo é encarnado, tudo chora…
Lembras-te foi aqui?
Sentei-te neste mesmo mocho, estavas linda como sempre, rias para mim com aquela cara que achava toda a minha panóplia ridícula, mas na realidade amando cada movimento que fazia, afastei-me um pouco para te ver sentada.
Que silhueta, que mulher, com os caracóis ao vento sorrias para mim, mostravas uns sublimes dentes brancos, o teu olhar era inocentemente sedutor, tinhas a sabedoria no rosto, todos te queriam, quiseste-me a mim nunca percebi porquê, aproximei-me outra vez.
Peguei-te na mão, ajoelhei-me, os teus dedos miudinhos pareciam nervosos, sorrias agora ligeiramente, uma lágrima saltou-te do olho, enfiei o anel, estávamos selados para sempre, disseste sim…
Foste embora cedo demais…
Desabotoo-o o velho casaco, uma ligeira brisa sopra mais forte, tiro do bolso a negra pistola, respiro fundo…
Sinto o cano frio encostar debaixo do queixo, nunca pensei que fosse assim…
Mas tenho tantas saudades, sinto tanto a vossa falta…
Uma criança cai no chão.
De repente apercebo-me que uma criança simula, rindo muito, uma queda no chão.
Pum! Mataste-me avô, mataste-me com a tua pistola …
Anda avô! Agora é a minha vez, eu sou o Índio tu és o cowboy…
sábado, dezembro 02, 2006
Encarnado
Quatro da manhã.
Estou no bar do Hotel, um dos melhores da cidade. Dizem que ocupo um dos cargos mais importantes e bem remunerados duma grande multinacional.
È verdade.
Bebo o meu terceiro whisky, não sinto o álcool, nem quero.
Sinto-me em paz, tristíssimo mas em paz, espero tranquilamente que me venham buscar, sim, eles não tardarão.
Estupidamente aos quarenta e sete não vejo qualquer luz ao fundo do túnel, mas também não me importo.
Hoje quando acordei resolvi abrir o livro, disse não ao fácil, cortei com o lugar comum “A vida é mesmo assim” e parti a loiça, parti com quase tudo o que tenho nesta vida de merda!
Não tenho filhos, a minha mulher não pode ter. Sentei-me como sempre a seu lado na cozinha para tomar pequeno-almoço, ainda não a tinha visto, temos quartos separados, há muito que não dormimos juntos, sem me aperceber muito bem porquê o meu casamento transformou-se numa cooperativa.
Ela estava linda, aliás a minha mulher é lindíssima, no entanto viciou-se no status e é o status que lhe serve alegria e tristeza, oferecendo-lhe mais desta última.
Mas acho que é feliz na sua vidinha.
Procurei beija-la, a custo lá me ofereceu fugazmente a face, procurei o contacto não o conseguindo por completo.
- Estás tão mal arranjado, vais trabalhar assim? Perguntou ela.
- Não vou trabalhar. Respondi.
- Sempre foste um farrapo, mas agora estás a bater no fundo. Disse ela indiferente.
- Amor!? Disse eu.
- Como foi a foda ontem com o Barbosa? Deste-lhe o rabinho? deste? Atirei ironicamente.
- Como te atreves! Gritou deixando-me sozinho.
Fui cantando fazer as malas, não voltarei a esta casa.
Já de noite não aguentei estar com os meus pseudo amigos/colegas de trabalho, aquela gente snobe, vazia de valores que sempre me enervou, a sua única alegria é a tristeza dos outros, estava farto daquilo, todas as quintas-feiras o mesmo triste filme…
Ainda estou a ver a cara deles quando tudo aconteceu, não queriam acreditar no que os seus olhos viam, primeiro riram, pensaram que fazia um número para nos divertirmos, mas há medida que a minha peça se desenvolvia, há medida que observavam com mais atenção os meus olhos, percebiam que tudo aquilo era sério.
E era!
Comecei por mandar sair as cinco adolescentes, nuas esfregavam-se naqueles grandes senhores de fato, assustadas apanharam a roupa dando uma ultima snifadela.
Todos riam ainda não percebendo, olhei um a um, metiam-me asco!
Comecei tranquilamente por partir a televisão, tudo na cabeça deles então mudou.
Taças de cocaína, e copos de vinho voaram pelos ares, procurei bater em todos até ser dominado. Uma vez agarrado prometi ficar calmo.
Quando me largaram corri em direcção ao quarto. Abri a porta de repente, uma bela rapariga encontrava-se atada na cama de barriga para baixo, os lençóis cuspiam droga, ela gritava com desespero, um homem devorava-lhe o rabo vorazmente apagando-lhe um cigarro nas costas. Ela não tinha 17 anos…
Caminhei tranquilamente, o meu cérebro era um autêntico vazio, o Barbosa virou-se olhando para mim, acho que ainda falou qualquer coisa, não percebi.
O quarto encheu-se de sangue. Um tiro bastou.
Fiquei ali parado em silêncio contemplando aquele corpo nu pintalgado de sangue, na outra divisão todos gritavam fugindo, não tardou o silêncio reinou.
Virei costas, apetecia-me um whisky.
domingo, novembro 26, 2006
Disco
Olho-me ao espelho, tenho de admitir, tive sorte.
Observo o meu corpo enquanto saboreio o martini tranquilamente, acho-me bonita, o vestido de noite cai-me divinamente, é belo o decote, decididamente tenho sorte.
Sinto o álcool falar-me ao ouvido.
Danço agora freneticamente, vem-me aquela sensação de rainha, sei que emano desejo, sei que transpiro sedução, a pista é claramente minha.
Ao dançar dentro do meu vestido negro sou luxúria feita mulher, os meus cabelos compridos dançam com a musica…
O álcool continua a contar-me segredos, diz-me que sou a mais bela, diz-me que os meus movimentos são terrivelmente sensuais. Tenho sede...
Alguém me agarra quando passo, viro-me assustada, que belo estalou-me na cabeça.
Um homem alto, de olhos claros, largou-me a mão de imediato, tinha estabelecido contacto visual já não precisava do meu pulso.
Era bonito sem dúvida, falou-me ao ouvido algo que não percebi, toquei-lhe no peito levemente aproximando-me para o ouvir melhor, senti por baixo da camisa um corpo duro claramente trabalhado.
Espantada com a minha ousadia recuei, observei melhor a sua excelente silhueta, que perdição de homem pensei.
Ele avançou para mim, hipnotizada vi aquela cara perfeita, aqueles lábios tentadores aproximarem-se dos meus.
Ai… Como sentia vontade de beijar aquela boca, as minhas mãos ansiavam por agarrar aquele tronco, o meu corpo implorava por ser tomado.
Arquejei ligeiramente, os meus lábios abriram-se suavemente na iminência do beijo…
Empurrei-o violentamente.
Virei costas em direcção ao bar.
Carne não é tudo nesta vida, pensei, há quatro anos que conheço o amor, através dele sou um ser maior, graças a ele quero criar e construir, descobri um mundo de paz que desconhecia, não sou mulher de abrir mão dum compromisso.
O dia nascia intensamente.
Introduzi a chave na porta, o meu vestido de seda emanava inúmeros cheiros.
Bati a porta atrás de mim.
Sentei-me no hall de entrada, agradeci a mim mesma o discernimento, disse baixinho – “Estou aqui, voltei! Sinto-me ainda mais apaixonada…
Largando roupa por todo o lado entrei no duche, não queria mais o álcool dentro do meu corpo, já me tinha servido o suficiente esta noite.
Passeio-me nua pela casa, não tenho qualquer sono, Feist toca suavemente.
Sinto um impulso enorme de dizer que o amo.
Reparo agora que alguém deixou um envelope debaixo da minha porta, um pequeno envelope de carta com o meu nome sorri para mim.
Pego-lhe imediatamente.
Margarida.
Sinto uma enorme curiosidade e um medo terrível de não aproveitar tudo o que a vida tem para me dar.
Aos 25 anos percebo melhor qual a sensação de ter pena, arrependimento de não ter feito algo importante.
As vezes penso como é impossível dizer que não, como posso negar a mim mesmo o desfrutar de corpos de diferentes mulheres?
Como posso deixar passar a oportunidade de aproveitar corpos rijos e cheios de juventude que só se oferecem a mim porque também eu sou igualmente jovem?
Terei tempo quando o meu corpo perder um tanto da sua força e beleza de dar exclusividade sexual a uma e uma mulher só.
Não posso assumir mais o nosso compromisso.
Desculpa.
Rodrigo.
domingo, novembro 19, 2006
Chuva
Hoje sou um fantasma.
Não percebo porque? Ninguém olha para mim, as mulheres passam por mim na rua ignorando-me completamente.
Sei que não é dos meus sessenta anos. Nem sempre foi assim!
Sei-o bem, mesmo que não queira admitir hoje sou metade do que fui, a vida levou-me o encanto, a beleza, só me deixou o dinheiro! Esse fiel amigo que curiosamente sempre insistiu em acompanhar comigo, mesmo sem eu fazer muito por isso.
Insiste em acompanhar-me mesmo sabendo que não gosto dele, mesmo sabendo que no fim o odeio, e que principalmente o culpo da sombra que sou hoje.
Sei que foi ele o estratega, sei que foi ele que levou um filho a afastar-se dum pai.
Como estará ele? faz hoje dez anos que não o vejo…
Apenas sei dele pelas outras pessoas, sei que é escritor, sei que escreve na esperança de um dia ver reconhecido o seu trabalho, nunca desde pequeno deu importância ao dinheiro, como o percebo agora… Admiro-o!
Mas não tenho coragem para lhe dizer.
Enquanto vou reflectindo nestas coisas, sinto aquela tristeza que me acompanha instalar-se gradualmente.
Hoje vou ser jovem outra vez, nem que para isso tenha que pedir ajuda ao meu sempre amigo.
Não há nada mais belo que o corpo duma mulher, jovem, cheio, simplesmente sublime!
Ainda enrolado no lençol abraço um charuto, és linda Julia!
Quase fui feliz por momentos, mergulhar naquela jovem desconhecida, beijar aquelas longas pernas, tenha sido uma experiência inesquecível, nunca o fizera antes, que bonita mulher… Ainda assim nunca, nem por um segundo, adormeci a minha dor, nem por um instante consegui calar a minha tristeza.
Deitada, saboreava o seu copo de vinho, ainda sentia o cheiro do seu último cliente.
Júlia desde cedo começou a perceber que despertava nos homens uma reacção diferente. Mesmo ao principio, não percebendo qual.
Preguiçosa, e gostando disso, não foi de estranhar que ainda antes de atingir a idade adulta já ganhava num mês o que os seus pais nunca ganhariam num ano.
Vestiu o seu roupão de cetim, desceu escadas a baixo, eram quatro da tarde.
Enquanto passava perto dum quarto, não pode deixar de ouvir suaves gemidos de prazer, chegando cá em baixo, apenas duas colegas se encontravam sentadas, conversavam nos enormes sofás de veludo.
Voltou para o seu quarto, pensou nele, que falta lhe fazia…
Sabia perfeitamente que estava a cometer um erro, mas não podia evitar, tinha acontecido algo especial quando o conheceu, algo mudara dentro dela, uma estranha admiração por outro ser humano tinha nascido no seu peito.
Até ai, jamais tinha admirado alguém, a não ser ela própria é claro!
Passar aquela semana com ele tinha sido de sonho, ter a oportunidade de vê-lo trabalhar, poder apreciar como vivia, aquilo em que acreditava, como saboreava as coisas simples e principalmente como escrevia, que bela era a maneira como escrevia!
Suspirava agora Júlia, enquanto se espreguiçava na já gasta cama redonda, vaidosa ia se mirando no espelho que se encontrava no tecto, tinha desapertado o roupão, nua, deitada na cama sentia-se adormecer.
Sonhava com o seu escritor…
terça-feira, novembro 14, 2006
Água
Sinto-me acordar levemente, acordo agitado como sempre, não porque tenha dormido mal, mas por uma outra qualquer razão que não sei explicar.
Ainda é cedo, sinto-o.
Viro-me para o lado, tento dormitar mais um pouco. Um agradável cheiro percorre o quarto, raios de sol beijam-me a face, procuro aconchego no corpo nu que dorme comigo.
Quem será?
Toco naquela pele macia, subo e desço com o meu dedo por campos e vales, adoro o seu cheiro a rosas, deve ser bela.
Não me apetece!
Salto da cama, rapidamente visto o roupão, a madrugada dispõe-me bem, entro na cozinha de repente, varias mulheres com fardas ás rendinhas revelam-se constrangidas.
- Bom dia menino.
Apalpo todas, sou brindado com vários gemidinhos envergonhados, mordisco qualquer coisa enquanto saio para a rua.
Olhares reprovadores são meu alimento, agarro no primeiro cavalo, apetece-me voar.
O centeio está bonito, vejo-o passar a grande velocidade, o meu companheiro branco corre vorazmente, ainda é um belo potro como eu.
Algo me faz estancar imediatamente!
Um som que conheço orienta-me, não pode haver canto mais bonito. Procuro não fazer qualquer barulho enquanto desbravo cautelosamente o centeio, passados poucos momentos descubro o que procurava.
A metros de mim, um escravo com não mais de vinte anos, faz amor vorazmente com uma jovem.
Fico encantado!
Dois corpos negros, belos, vibravam em uníssono, de costas para mim aquele corpo musculado de pele brilhante enche de prazer aquela mulata.
Ela revira loucamente os olhos, o seu peito redondo, transpirado, parece querer tocar o céu, é perfeita nos seus pequenos espasmos, os seus gemidos aumentam agora de tom, o corpo daquele homem contorce-se violentamente, poucos minutos restam, gradualmente a paz roubada voltou à ceara.
Regresso silenciosamente.
Os meus cabelos compridos misturam-se com o vento, cavalgo vale a baixo, pequenas flores observam-me, assim como eu, adoram o sol!
Prendo o meu companheiro de viagem no velho carvalho, o roupão cai no chão, encho o peito, respiro com força esticando os braços, procuro abraçar a vida. Nu, mergulho entusiasticamente.
Sou livre!
Fecho os olhos, fico assim a boiar como se não houvesse amanhã, sinto aqui e ali folhas que se colam a mim, irei levá-las para casa, pequenos pássaros que desconheço cantam, o vento sacode tudo emitindo um pequeno som, uma nuvem mistura-se com o sol.
Uma lebre pára na margem, olha para mim.
Fico a olhar aquele animal ali parado, de orelhas espetadas fita-me orgulhosamente, olha para mim com a sabedoria de mil anos, majestosamente parece já saber tudo.
E sabe!
Meneou a cabeça e arrancou velozmente pelo prado, aprecio ternamente a graciosidade do momento talvez um dia também eu saiba tudo…
quinta-feira, novembro 09, 2006
Paris
As pessoas olham para mim na rua, não sei se por causa do meu Pai ser um rico e famoso Conde, se pelo ópio que deambula no meu corpo.
Chego um tanto cambaleante, sento-me na mesa do lado.
O empregado faz-me uma vénia, trata-me pelo nome, não se esquecendo do meu título, pergunta-me se bebo o costume.
Respondo que sim, sem trocar qualquer olhar.
Acendo um cigarro, o meu aspecto é o mais desalinhado possível, tiro do bolso um pedaço de papel amachucado.
Da minha orelha sai um sujo lápis de carvão, chega o meu vinho.
Olho para os desconhecidos que comigo partilham aquele café de luxo no centro de Paris.
Sorrio para eles, imagino que os meus dentes negros não façam sucesso, procuro escrever umas palavras, não me sai nada…
Dói-me a cabeça, penso na falta de coragem das pessoas, penso como se deixam aprisionar, como acabam por viver vidas que nunca quiseram. Eu não sou melhor.
No fundo de mim mesmo, sou o maior crítico, tenho uma voz dentro do meu peito que me devora, felizmente posso adormece-la com algumas garrafas, mas jamais a posso matar…
Ainda bem.
Mais uma taça de vinho.
Júlia entra, sem cerimónias senta-se na minha mesa, cruza as pernas, que belas pernas, que bonito decote, é uma bela mulher!
È minha irmã.
Sorrio levemente, culpo o álcool deste meu pensamento indecente, amo-a, mas não dessa maneira.
Outros animais que não eu, um dia a farão corar. Prefiro não pensar nisso!
Sorrio levemente outra vez, penso que até um porco como eu, que a única coisa que sabe fazer é desrespeitar o seu corpo, procura proteger os que mais ama.
Preparava-se a minha mana, para me dar o chá do costume, quando chega uma bela donzela, impecavelmente vestida. Acenou para a mesa!
Fui apresentado, percebi claramente que o meu cheiro a repugnava. È normal.
Uma bela donzela não deve gostar do cheiro reles de putas. Mas que posso fazer, se é sempre em casas de pecado que durmo as noites...
Claro que a menina de seu nome Margarida, demorou a perceber que tal traste imundo era o irmão mais velho de Júlia.
Resolvi dizer-lhe.
- Menina Margarida jamais vi nesta taberna, que se diz por fina, tão bela mulher.
- Não devia ter dito “bela mulher” mas sim bela menina. Respondeu ela.
- Jamais poderia ter dito bela menina, quando para mim a Margarida é uma bela criação que adoraria provar ainda esta tarde.
Eloquentemente sou brindado com um forte estalo, com a ajuda do tinto, espalho-me ao comprido no chão.
Nasceu em mim o amor…
Elegantemente quanto é permitido a alguém que se encontra totalmente alcolizado, levanto-me, agradeço a prova de amor e beijo-lhe a mão.
Saio porta fora, já nos paralelos sujos simulo uma pequena dança comigo próprio, não valho mais que as pedras da calçada, não estou mais limpo que elas, no entanto invejo-as.
Invejo a sua sabedoria, invejo tudo o que elas já viram, se ao menos me respondessem…
quinta-feira, novembro 02, 2006
Mãos
Sentei-me.
Suspirei…
Servi-me calmamente, o leve aroma de comida invadiu-me, peguei na garrafa.
Levantei o copo, um vinho bastante encarnado, denso, dançou dentro dele.
Todos falavam entusiasticamente, trocavam pequenos pratos, serviam-se de tudo gesticulando.
Sorri…
Ninguém dava por mim, pareciam felizes, diversas conversas misturavam-se na antiga sala de jantar.
No topo da mesa onde me encontrava, ouvia frases misturadas, enroladas umas nas outras, palavras filhas de diferentes conversas chegavam até mim, não percebia o seu sentido, mas guardava-as todas.
Tossi…
Estou nu na praia, uma onda gigante engole-me gradualmente. Foi assim que senti a onda de silêncio que me atacou quando provoquei o pequeno som com a garganta.
Um miúdo loiro de cabelo comprido saltou imediatamente da mesa, prato e copo estalaram no chão, nem olhou para trás, voou para cima de mim beijando-me onde conseguia.
Abracei-o com a força do mundo, mergulhei o meu nariz no seu pescoço, senti aquele cheiro, era a minha cria...
Chorei…
Enquanto abraço a minha vida, sinto um homem forte abraçar-nos aos dois, viro-me para trás, um velho ancião de mãos nodosas e gastas chorava, espetou o seu nariz no meu pescoço, sou a sua cria...
Em seguida partilhámos amor e pão, abraçámos todos...
Estávamos na nossa cidade tranquila.
sexta-feira, outubro 27, 2006
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda Gira,
a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa.
terça-feira, outubro 24, 2006
Sorriso
Os paralelos, polidos, sujos, eram o espelho de uma Lua envergonhada.
As minhas botas velhas, prendiam-se ao chão…
Caminhava sem destino, eram duas da manhã, ouvia o barulho de vários cafés.
Tinha-me afastado da cidade, o pequeno caminho conduzia-me a uma zona de cultivo, estava muito vento…
Rapidamente os paralelos passaram a terra, não parei de caminhar, continuei absorto em pensamentos vários, estanquei!
O meu avô estava sentado numa pequena rocha, sorria para mim, enquanto eu caminhava para ele num misto de espanto, medo, e alegria.
Abracei-o, ele estava a chorar, sempre fora um homem de choro fácil, como eu.
O meu avô tinha morrido, à mais de dez anos, os últimos já quase totalmente invisual, tinha saudades.
Chorámos os dois, abraçados.
Disse-lhe que estava bem, que era feliz, mas ele já sabia isso tudo…
A paz dançava nos olhos do meu avô, ele estava bonito, talvez até um tanto mais jovem desde a ultima vez que o vira.
Como estava diferente, desde aquele dia, naquela cama de hospital.
Quis dizer-lhe que o amava, que éramos parecidos, que éramos da mesma casta, que infelizmente não pudemos conversar mais. Não era preciso…
Abraçamo-nos mais uma vez, desta vez com mais alegria, partimos cada um para seu lado, sem olhar para trás.
Caminhei tranquilamente para casa, a meio do caminho chorei outra vez, chorei de pura alegria, agradeci aquele fantástico momento, corri, corri muito.
Enquanto corria explanava a minha felicidade rindo e dançando com as árvores.
A lua brilhava agora intensamente, parei para a contemplar.
Acordei!
Acordei, acordei com um belo sorriso, disseste-me tu mais tarde, tinha sido apenas um sonho, um belo sonho…
sábado, outubro 21, 2006
A Gente Vai Continuar
terça-feira, outubro 17, 2006
Rasganço
Rasgam-me, mas não me rasgam as memórias.
Começa a explodir em mim uma vontade de chorar, adeus Coimbra.
Todos riem à minha volta, caras quem nem sempre vi as vezes que gostaria, outras com quem partilhei momentos belos de pura felicidade, raros!
Jamais vos esquecerei, todos!
Oh, obrigado! Cidade mãe que me recebeste tão imberbe e fizeste de mim homem.
Dancei contigo tantas vezes!
Amiga Praça da Republica, soubeste sempre apanhar-me, quando o álcool me empurrou.
Quero hoje mais uma vez beber contigo Coimbra, vamos por uma última vez dançar de mãos dadas, olha, repara, estamos cá todos, todos os teus filhos bebem connosco.
Olha as nossas caras, ninguém quer saber de amanha, hoje somos teus, até deus Baco nos vir buscar.
Quero beijar todos esta noite, corro nu em busca da capa que sempre me embrulhou.
Abracem-me capas negras, gritemos alto, estamos em casa, Coimbra jamais nos faltará.
Aqui nunca me sinto perdido, quanto mais longe estou de ti, mais sinto que te pertenço.
Sei bem que irei chorar muito, enquanto a vida me o permitir, por ti, cidade mãe de toda a saudade.
Sei que o tempo não volta atrás, nem queria que voltasse, basta-me recordar e embrulhar-me na capa negra que nunca me faltou.
Rasgam-me, mas não me rasgam as memórias.
sábado, outubro 14, 2006
Lua
Escrevo sem pressa, afinal ninguém espera por mim, não tenho ninguém…
Gosto de me ir tocando, enquanto fantasio sobre a noite que não me espera, sobre a vida que não vivo.
Agradavelmente húmida, escrevo mais algumas páginas.
Na minha trama, sou sedutora, sou bela, e vivo com uma coragem que não consigo encontrar dentro de mim.
Fora do papel sou frágil, tenho medo.
Gostava de sair porta fora e amar qualquer um!
Gostava de me enroscar num banco de jardim, nua, esperar que um qualquer me possuísse, ali, debaixo da lua.
Corria uma pequena brisa, lá ao fundo ouvia-se o enrolar das ondas.
Empinei o meu rabo, duas gotas escorrem do meu sexo caindo na madeira já gasta do banco de jardim.
Sinto um homem chegar, não lhe vejo a cara, oiço o fecho, sou invadida por um membro quente, bom…
Aqueles movimentos repetidos alimentam-me a alma, enchem-me de prazer, não consigo conter-me, sou toda convulsões.
Grito de prazer, o meu som sobrepõe-se ao som do mar, parece-me agora que o mundo é perfeito.
Tento mudar de posição, quero ver os olhos do meu parceiro de dança, procuro virar a cabeça, mas logo uma mão grossa, suja, calejada, obriga-me a mergulhar no banco de jardim.
Arquejo…
O meu rabo agora ainda mais empinado, expõe uma ratinha rubra, sinto-me exposta como ela, não tenho medo!
O meu dominador, que na realidade é meu escravo, segura agora o meu pescoço enquanto me penetra com alguma violência.
Venho-me uma vez e depois outra, a droga do prazer corre dentro de mim, a minha cabeça não pensa, não pensa nada.
Aqueles movimentos continuam a repetir-se, cada vez mais depressa, cada vez mais loucos.
Um grosso pénis sai agora de dentro de mim, também já não precisava dele, um jorro quente cai-me nas costas, estremeci!
Que faço eu aqui? Quem é este homem? A medo digo-lhe para ir embora, para sair dali, para imediatamente se afastar.
Puxo as minhas calças, ainda envergonhada sinto o homem aceder ao meu pedido.
Já não corre em mim qualquer droga, minha cabeça está agora a mil, volto a ser o que o que sempre fui…
Tenho medo.
quarta-feira, outubro 11, 2006
Flores
Claro que não te dou flores…
Flores acabam por murchar…
Flores a murchar são morte, assim como vidas que se amam um dia vão morrer.
Se ao menos pudesse dar-te flores e com elas toda a terra que as alimenta.
Talvez acreditasse, que também o amor pode continuar depois da morte.
E assim nada temeria.
segunda-feira, outubro 09, 2006
Acordar
Estou farto desta vida
Nem para frente nem para trás
Tudo isto parece uma corrida
Onde não se consegue paz
Será que estou a ser duro
Será que não sei ver
Não será um mundo escuro
Onde ninguém quer perder
Terei eu que lutar
Ou simplesmente ter obediência
Acho que me estou a fartar
Deste mundo de violência
Isto é uma guerra brutal
Sem escrúpulos nem pena
Onde tudo é um matagal
E tu és uma planta pequena.
1996.
Tinha dezasseis anos que saudades…
sábado, outubro 07, 2006
Carla Bruni - quelqu´un m´a dit
Sentei-me, a voz dela dominava o quarto, será possível um homem apaixonar-se apenas por uma voz?
Claro que não, pensei.
Sorvo um café, que maravilha, o cheiro a cafeína é perfeito, os primeiros raios de sol invadem a minha janela.
Ela sai da casa de banho, tão fresquinha, traz apenas umas cuequinhas vermelhas ás pintas, masca uma pastilha, está feliz.
Coloco música e sorrio, de seguida, atiro a chávena janela abaixo, ficamos os dois em silêncio esperando ouvir o estilhaço no passeio. Partiu!
Olhamo-nos e rimos, somos duas crianças, lá no fundo sabemos que somos.
Ela saltou para a cama, começou a saltar na cama loucamente, aumentei o volume, fui saltar também.
Que perfeição, um peito redondo e firme salta, salta muito. Sorrimos.
A vida corre com força dentro de nós, corre-nos bem!
Fazemos dois meses de namoro, amo-a.
Morde o lábio de baixo, adoro, já emoldurei este pequeno movimento milhares de vezes.
O tempo é doce neste quarto, que maravilhoso estado de graça, que paz…
Faço-lhe uma rasteira, ela cai com estrondo no meio de mil almofadas, mergulho no seu corpo, que belo é…
Em menos de nada somos apenas um, no meu ouvido são segredadas parvoíces, rebolamos, lutamos, acariciamos, o tempo pára lá fora.
Sinto-me estremecer, não vou durar muito mais…
Unhas rasgam-me as costas, e então percebo tudo, tudo na minha cabeça faz sentido. Não é o sucesso, não é o dinheiro, nem sequer é a saúde, a vida são momentos, mas isso já eu sabia, não sabia é que a vida primeiro que tudo, é a coisa mais simples, a vida é amor!
Amor, unicamente amor, tão simples…
quinta-feira, outubro 05, 2006
Dançarino
Sou um dançarino, que apenas dança…
Não como, não bebo, acho que nem respiro, apenas danço.
Danço porque amo, sou feio e obtuso, não fui brindado com nada eloquente nesta vida, nunca fui encantador, dificilmente deslumbro, no entanto danço.
Danço porque não sei fazer mais nada, danço porque nasci com uma mais valia que ninguém vê!
Sei dançar!
Ou seja, sei viver!
Tenho esta capacidade de me apaixonar todos os dias, por vezes não reparo nas conversas, por vezes perco dinheiro, chego atrasado. Mas nunca deixo passar uma música que me seduz, se um poema me invade, imediatamente estanco, se o céu está azul eu já o contemplei, nunca é tarde para abraçar um amigo.
Distraio-me pelo meio de conversas, oiço muita gente mas não oiço ninguém, todos me chamam distraído.
Mas como posso ser eu distraído, se quando alguém na minha mesa, ou noutra, fala de amor, fala de encanto, fala das coisas simples, fala do copo de vinho partilhado, fala de laços humanos, eu acordo imediatamente!
Não, não sou distraído, sou bem atento, porque muitos batem na minha porta, e eu realmente não oiço bater, mas quando um qualquer me toca no ferrolho gritando partilha, largo tudo e de imediato estendo a passadeira.
Quando alguém entra na minha casa, e desinteressadamente quer mostrar-me novos mundos, imediatamente me torno seu escravo.
Quando vivo assim sou mais eu.
Vivo para estes momentos, em que a vida me toca.
E então choro, choro naturalmente e sinto-me terra, sinto integrado, sinto que faço parte, e nada me assusta, nem a morte!
Grito então alto, que amo a vida, que ela é feita de coisas belas, que faço parte do todo, não sou mais, não sou menos, simplesmente faço parte.
domingo, outubro 01, 2006
x.
Afinal, éramos tão felizes, porque não vieste dormir ontem, nem antes de ontem.
Já não sei que pensar, sinto tanta falta do teu cheiro, era tão bom falar contigo…Dava por mim a mergulhar nos teus olhos castanhos, transformava-me numa pasta, numa qualquer coisa preguiçosa, e sentia-me bem, sentia-me perfeita.
Quando andava contigo na rua de mãos dadas, sentia-me em casa, aliás tu eras a minha casa. Há três dias que não tenho casa!
Sou uma sem abrigo sem ti.
Espero por ti todas as noites, não tenho dormido na nossa cama, não consigo conceber a ideia de dormir nela sozinha.
Obviamente que a minha barriga não quer comer, já lhe disse que devia alimentar-se, tu não tardas deves chegar, mas ela insiste em não querer nada.
Mas o que mais me assusta, não é a minha barriga, é o que me diz o meu peito.
Tem-me dito coisas que não quero crer, tem-me dito que já não me amas, disse-me que te viu na rua com outra mulher, não posso acreditar…
Afinal, éramos tão felizes, sei que não fui dormir contigo ontem, não fui capaz.
Sinto-me lixo, sinto que não te mereço, não mereço mais as nossas conversas, odeio-me!
Nunca mais vou poder saborear a fundo o teu sorriso, nunca mais vou ser feliz, de certeza que não…
Merda para isto! Sou um fraco, quem me dera agora estar a nadar nos teus olhos azuis, perdi-os para sempre.
Hoje sou metade do que era, hoje o espelho reflecte fraqueza, sou pequeno, sou muito pequeno…
Antes de ontem dormi com outra mulher. Pior, passeei com ela toda a tarde, peguei-lhe na mão e sorri, sou mais um bandalho que não tem palavra, que não tem ideais, que não acredita.
Vendi-me por um corpo, por uma hora de prazer que agora amaldiçoo, troquei o efémero pela perfeição, troquei a nobreza pela vulgaridade.
Não te mereço, resta-me a lama, resta-me esconder-me de ti, pois não sou mais que um cão! Um cão que não se domina, sou o que pior se pode ser, um mísero corpo que se desloca sem propósito.
Perdi o norte, agora resta-me vaguear tristemente…
sexta-feira, setembro 29, 2006
Irmãs
Uma enorme dor de cabeça era sua companhia há vários dias.
Desde cedo conhecera a mão cruel da vida, a irmã mais velha fora violada e morta, os pais, esses, ela nunca vira, restava-lhe apenas a irmãzita mais nova.
Atirou o copo contra a parede, pintou os lábios e saiu, afinal era a vida que tinha, já tinha tentado fugir-lhe mas ela sabia bem, não se pode escapar de um berço arruinado, pode-se fingir por um pouco, tentar esquecer, mas lá no fundo continuamos a ser lixo como se tivéssemos uma doença sem cura.
Eram onze da noite, Flora deslizava por um passeio sujo trocando olhares com todos. O seu andar rebolado chamava atenção, ela era apenas pernas…
Parou um carro, um homem bonito com uma camisa um pouco desabotoada espreitou.
Ela aproximou-se, sorriu, e contrariamente ao seu comportamento habitual entrou antes de perguntar o que quer que fosse.
Ele engolia-a com os olhos, nervoso, parecia escolher palavras.
Flora, tranquila, saboreava o momento, inclinou-se para ele, trincou-lhe a orelha permitindo-lhe observar umas maminhas pequeninas.
Ele ia falar mas ela beijou-o imediatamente, introduziu a sua língua bem fundo, propositadamente fez durar aquele beijo. Ele era lindo…
Em seguida, sem querer, viu o seu reflexo no espelho retrovisor. Viu uma miúda demasiado pintada, uns olhos demasiado tristes, um cabelo demasiado vulgar…
Empurrou o rapaz, bateu com a porta e saiu!
Entrou em casa a correr, a sua colega de quarto chupava um gasto quarentão no sofá da sala, passou por eles com a maior das naturalidades entrando no seu quarto.
Podia agora ouvir a sua colega representar o teatro de sempre, o gordo seboso penetrava aquela miúda de vinte anos pensando que a enchia de prazer, como são ridículos os homens!
Despiu-se, tomou banho, estava agora nua frente ao espelho, contemplava-se.
Era bela, ela sabia-o tão bem…
Entrou na sala, rapidamente aquele homem asqueroso olhou para ela deslumbrado, Flora avançou como numa passerelle, de frente para ele abriu as pernas e sentou-se rapidamente, com a mão direita introduziu aquele membro meio mole na sua gruta ainda seca.
Em seguida beijou a sua amiga que procurava enroscar-se neles.
Começaram uma dança a três, o homem gemia de prazer, estava totalmente fora de si, não queria acreditar no que lhe estava acontecer…
Não demorou muito para que aquele corpo flácido rebenta-se numa fraca ejaculação de prazer.
Os pássaros pararam de cantar lá fora, por momentos pareceu não haver pessoas na rua, o mundo parecia ter congelado por um milésimo de segundo.
Em menos de nada um pequeno punhal perfurou um pescoço, em menos de nada duas jovens loiras e belas ficaram respingadas de sangue, em menos de nada um corpo gordo inerte caiu no chão.
Em menos de nada uma violação foi vingada, em menos de nada duas mulheres que se conheciam desde sempre poderiam dormir em paz.
quarta-feira, setembro 27, 2006
Desabafo
Jamais queiras ser totalmente feliz, jamais te aches corajoso, jamais te consideres totalmente tranquilo.
Procura a clara noção da tua tristeza, e serás feliz.
Repara bem, como és fraco e medroso, e a coragem sempre dançará em ti.
Observa o turbilhão que vai no teu peito, e serás sempre um homem tranquilo.
terça-feira, setembro 26, 2006
Janeiro.
Saiu de casa, o cabelo totalmente desgrenhado. Os olhos raiados de sangue choravam, choravam muito. Ele era personificação do descontrole.
Bateu com a porta, saiu para o passeio, atirou-se para o chão, chorava agora compulsivamente.
A dor que o tinha inundado minutos antes, ruborizava-lhe a face, e principalmente encolerizava-lhe a alma, tinha de se vingar, tinha de ser…
Colocou-se de joelhos, gritava estridentemente, um berro alto e seco espantava todos!
Berrava como louco, um berro descontrolado que não esboçava qualquer palavra.
Aos poucos aquele comportamento ia silenciando a rua. Pessoas estáticas observavam petrificadas.
Começou a bater com as mãos, violentamente, na poça de água, cada vez gritava com mais força!
Então levantou-se, começou andar tranquilamente, já não era a mesma pessoa, nunca mais voltaria a ser.
Naqueles cinco minutos tinha envelhecido, tinha envelhecido nem muito nem pouco, apenas o suficiente para aquele rosto que outrora fora de jovem, hoje ser dum homem maduro, muito maduro.
Cinco minutos, não mais, tinham-lhe roubado o pouco de criança que habitava nele, e com isso o seu impulso de viver, a sua alegria, o seu amor-próprio…
Acordou eram sete da manhã.
Vestiu o seu melhor fato, tinha vários. Os seus imaculados sapatos pretos brilhavam, descia tranquilamente as escadas.
Chovia, chovia intensamente. Apanhou um táxi.
Passado quinze minutos, já entrava suavemente na pastelaria. A sua cara não esboçava qualquer expressão, o seu amigo ao vê-lo sorriu, estendeu-lhe a mão.
A pistola já estava preparada, numa fracção de segundo, uma bala que libertava um pequeno silvo, penetrava o crânio daquele homem que comia tranquilamente.
Saiu a correr, todos na pastelaria, em pânico, mal respiravam…
Apanhou outro táxi.
Chegou ao escritório da mulher, iam fazer uma ano de casamento lá para o verão.
Abriu a porta de repente, ela levantou a cabeça da secretária, não conseguiu ler nada no seu rosto. A pistola em menos de nada apontou!
O cérebro mandou atirar, o indicador não se mexeu.
Ele olhava fixamente aqueles belos olhos azuis, chorava agora de raiva, ajoelhou-se.
A arma ainda apontada, mas o indicador não se mexeu, claramente não se ia mexer.
Atirou a arma contra a parede, gritou, gritou muito, batendo com as mãos no chão…
sábado, setembro 23, 2006
“ O artista é o criador de coisas belas. Revelar a arte e ocultar o artista é o objectivo da arte.”
“Nenhum artista tem simpatias éticas. Uma simpatia ética num artista é um imperdoável maneirismo de estilo.”
“A diversidade de opiniões sobre uma obra de arte mostra que a obra é nova, complexa e vital. Quando os críticos divergem, o artista está de acordo consigo mesmo.”
Oscar Wilde.
quinta-feira, setembro 21, 2006
Filha.
A água está tão fria!
O seu pé pequeno e delicado mergulhou, atrás dele um corpo de criança entrou também, inundou tudo, inundou todo o meu pensamento.
És minha flor disse-lhe de imediato, inundas-me de felicidade.
Atirou-me o seu olhar mais atrevido, dançou para mim, mergulhou para mim.
Enquanto dançava naquela água tão azul, pássaro diversos voavam sobre ela, cantava uma pequena melodia.
Como era bela, como era perfeita!
Senti-me pequeno, senti-me esmagado, aquela pessoa é a minha vida, pensei…
Como é possível…
Deixei de ser dono de mim, já não sou eu que estou ao leme do meu barco, amo-a, é tudo para mim, sinto-o tão forte, tão verdadeiro…
Enchi os pulmões de ar e gritei.
Não vou permitir que chores jamais, jamais verás os podres da vida, o teu mundo será sempre perfeito, vais ser sempre feliz, imensamente feliz, a mais feliz!
- Amo-te papá.
Chorei, chorei de enorme alegria!
Queria esquecer, mas sabia-o bem, a minha princesa não era diferente, iria sofrer ao longo da vida, como todos nós…
Não o consigo imaginar!
terça-feira, setembro 19, 2006
Júlia
Tinha um olho de vidro, pude vê-lo mal a cumprimentei. Procurei disfarçar o meu espanto, ela era deslumbrante, mesmo naquela sala vermelha, com vários sofás de cabedal negro, ela era deslumbrante!
Vestia apenas uma camisa de dormir, já um tanto rota. Por baixo distinguia-se facilmente um peito redondo e farto.
Tinha um ar tão sujo, peguei-lhe na mão e beijei-lhe os dedos.
Olhei a minha volta, que nojo! Gente imunda, agarrava-se a mulheres também imundas, o ar estava carregado de uma lascívia que contaminava todos.
Duas mulheres gordas ocupavam o sofá do fundo, fumavam observando a clientela, mostravam orgulhosamente, grandes seios já descaídos.
È claro que todos reparavam em mim, o meu fato de fino corte não se encaixava no contexto, aliás, eu não me encaixava no contexto.
Júlia olhava para mim com ternura, tinha as pernas cruzadas, duas pernas longas e pálidas, que quase tocavam as minhas.
Nos seus 42 anos, Júlia era uma mulher cansada, de olhar triste, muito triste!
Tinham passado 27 anos, desde a última vês que tínhamos estado juntos. Ela não me reconhecia, claro que não, eu era um miúdo naquela altura. Eu nunca me esqueci dela, era tão bela.
Desde esse dia, corri que nem louco, trabalhei que nem escravo, juntei dinheiro com avareza.
Enganei, roubei, mas nunca matei! Negociei todo o tipo de mercadoria, lidei com todo o tipo de porcaria, não ganhei amor a ninguém, apenas lutei e principalmente suei.
Suei que nem louco!
Primeiro ganhei respeito, e depois chegou o dinheiro, muito dinheiro!
Hoje estou aqui, finalmente estou aqui!
Tinha um ar tão sujo, peguei-lhe na mão e beijei-lhe os dedos.
Mãe estou aqui!
Inevitavelmente comecei a chorar, sabia que ia ser assim.
Amo-te tanto, hoje tudo muda para ti, sou o teu filho, lutei contra os ódios do mundo, fiz-me pedra para te salvar, vamos viver juntos o tempo que nos resta, torna-me humano outra vez.
segunda-feira, setembro 18, 2006
sexta-feira, setembro 15, 2006
...
E assim sou triste, sou a puta da tristeza, mas não me justifico, nem aceito conselhos, pois eu domino!
Não quero as tuas lágrimas, pois eu sou melhor, eu sou vida! Hoje em mi corre fel, corre uma amargura no meu sangue, que contamina e destrói.
Mas eu sou vida! E vou renascer, porque tu não mereces uma lágrima minha, porque tu…, porque tu….
Como te amo, faltam-me as palavras porque te amo, mas sabes que vais morrer dentro de mim, eu sei bem que tu sabes e tens medo.
Tu não me amas, isso, ambos sabemos, mas essa tua vaidade, essa tua vaidade que te possui, que faz de ti um monstro, não me quer perder!
Claro que não quer! Porque essa tua parte negra quer passear-me na rua, ser minha dona, fazer de mim decoração.
Mas tu sabes que eu não sou decoração, eu sou vida!
Corre em mim uma força que conheces, invejas e temes.
Hoje, amanha e depois serei lama, serei farrapo, serei álcool, serei muito álcool.
Mas depois vou acordar, e por entre uma dor de cabeça e um estômago embrulhado, vou ouvir uma voz que diz, ÈS VIDA!
Pois sou.
quinta-feira, setembro 14, 2006
Praia.
Uma gota de suor caiu.
Caiu corpo abaixo, mergulhando no umbigo.
Mergulha em mim amor, sou mar tu és rio.
Sou flor, colhe-me ardentemente.
Sou covil, és serpente.
Misturamos especiarias, bebemos iguarias.
Somos tribais, acasalamos como animais.
Um pouco de sangue, talvez fosse vinho.
Como me perco, serei louca? Talvez.
Abraça-me agora com carinho.
É para ti a minha primeira vez…
quarta-feira, setembro 13, 2006
Ai…
Ai…
Que vontade de voltar a ser o que era, o espelho cospe-me uma imagem que tanto me faz rir como chorar.
Nem sempre foi assim…
Nem sempre fui este homem de traços duros, e pele gasta.
Era belo, aliás, ainda é possível encontrar em mim alguma beleza. Era esclarecido, vivia de peito aberto, amava-te tanto…
Hoje amo-te ainda mais, afinal 50 anos já são alguma coisa, mas já não sou aquele miúdo que te roubava ao mundo, tu linda sorrias, deixavas-te ir! Então eu amava-te uma vez e depois outra e às vezes ainda outra, vibrávamos os dois, afinal, éramos só um…
Obrigado por ainda continuares a meu lado, já choramos tanto os dois…
Acredita meu amor, venero-te, és a minha vida!
Perdoa-me por ter envelhecido, mas acredita, desde que te vi que és minha dona.
Beijo.
terça-feira, setembro 12, 2006
África
Um enorme cansaço é dono de mim. Os meus pés duros e tristes caminharam noite inteira.
Descalço, durante horas fui árvore, não fui mais que isso, uma árvore que anda, que anda sem parar.
A dor caminhava comigo, claro que sim. Mas o que é a dor para mim, não é nada!
O que é a dor de caminhar, para um homem que não vê o seu filho comer há três dias. Ele é tudo o que eu sou, carregarei o meu filho para lá da montanha.
Pode chover, até que a terra seja mar, pode fazer sol e tudo derreter, ainda assim com a força de mil leões, o meu filho verá o doutor.
Nunca fui nada nesta vida, mas sou Rei todos os dias, quando ele me beija.