quinta-feira, novembro 09, 2006

Paris

As pessoas olham para mim na rua, não sei se por causa do meu Pai ser um rico e famoso Conde, se pelo ópio que deambula no meu corpo.
Chego um tanto cambaleante, sento-me na mesa do lado.
O empregado faz-me uma vénia, trata-me pelo nome, não se esquecendo do meu título, pergunta-me se bebo o costume.
Respondo que sim, sem trocar qualquer olhar.
Acendo um cigarro, o meu aspecto é o mais desalinhado possível, tiro do bolso um pedaço de papel amachucado.
Da minha orelha sai um sujo lápis de carvão, chega o meu vinho.
Olho para os desconhecidos que comigo partilham aquele café de luxo no centro de Paris.
Sorrio para eles, imagino que os meus dentes negros não façam sucesso, procuro escrever umas palavras, não me sai nada…
Dói-me a cabeça, penso na falta de coragem das pessoas, penso como se deixam aprisionar, como acabam por viver vidas que nunca quiseram. Eu não sou melhor.
No fundo de mim mesmo, sou o maior crítico, tenho uma voz dentro do meu peito que me devora, felizmente posso adormece-la com algumas garrafas, mas jamais a posso matar…
Ainda bem.
Mais uma taça de vinho.
Júlia entra, sem cerimónias senta-se na minha mesa, cruza as pernas, que belas pernas, que bonito decote, é uma bela mulher!
È minha irmã.
Sorrio levemente, culpo o álcool deste meu pensamento indecente, amo-a, mas não dessa maneira.
Outros animais que não eu, um dia a farão corar. Prefiro não pensar nisso!
Sorrio levemente outra vez, penso que até um porco como eu, que a única coisa que sabe fazer é desrespeitar o seu corpo, procura proteger os que mais ama.
Preparava-se a minha mana, para me dar o chá do costume, quando chega uma bela donzela, impecavelmente vestida. Acenou para a mesa!
Fui apresentado, percebi claramente que o meu cheiro a repugnava. È normal.
Uma bela donzela não deve gostar do cheiro reles de putas. Mas que posso fazer, se é sempre em casas de pecado que durmo as noites...
Claro que a menina de seu nome Margarida, demorou a perceber que tal traste imundo era o irmão mais velho de Júlia.
Resolvi dizer-lhe.
- Menina Margarida jamais vi nesta taberna, que se diz por fina, tão bela mulher.
- Não devia ter dito “bela mulher” mas sim bela menina. Respondeu ela.
- Jamais poderia ter dito bela menina, quando para mim a Margarida é uma bela criação que adoraria provar ainda esta tarde.
Eloquentemente sou brindado com um forte estalo, com a ajuda do tinto, espalho-me ao comprido no chão.
Nasceu em mim o amor…
Elegantemente quanto é permitido a alguém que se encontra totalmente alcolizado, levanto-me, agradeço a prova de amor e beijo-lhe a mão.
Saio porta fora, já nos paralelos sujos simulo uma pequena dança comigo próprio, não valho mais que as pedras da calçada, não estou mais limpo que elas, no entanto invejo-as.
Invejo a sua sabedoria, invejo tudo o que elas já viram, se ao menos me respondessem…

21 comentários:

pecado original disse...

Mas não respondem.
Tens sabor nas palavras. muito sabor.

Tenho uma proposta para ti no meu blogue.

Miguel disse...

Grande ambiente recreaste!
Gostei muito...
É imaginação pura ou demasiada imaginação "de ti mesmo"?

Xanusca disse...

É o alcool....

Abssinto disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Cris disse...

Não conhecia o teu blog, escreves muito bem. Gostei muito.
Um beijo e bom resto de fds.

Abssinto disse...

(desta vez sem erros gramaticais)

Imagino que ele tenha seguido para Montamartre, talvez o deixem entrar no Moulin Rouge. Há-de haver sempre quem lhe ofereça um copo de absinto, afinal ele é um conde.

...Muito, muito bom. O tipo de ambiente que eu vivo externa e internamente.

Abraço

Xanusca disse...

Por falra em Paris, tens de ir ver o "In Paris". Será uma boa inspiração para o teu blog. beijos

Lara disse...

Lindo Pedro!

A atracção do decadente e artistico, pela beleza e aristocrático.

dois polos, que se atraem... contra tudo e todos.

Adorei o ambiente que recriaste... até o consigo imaginar.

engraçado que tb escrevi na sexta algo do genero... mas imaginei-o em Veneza. Tb ele decadente...

beijo
ADOREI!

Pedro Gamboa disse...

Pecado Original.

Também o teu blog tem muito sabor.
Irei lá já de seguida.

Miguel.

È imaginação. Mas sempre com algo de mim mesmo…

Obrigado Miguel

Cris.

Obrigado pelas tuas palavras.

Beijinho.

Abssinto.

Seria sem duvida uma bela continuação.
Quem sabe não vá lá mesmo…
Também a mim me seduz este tipo de ambiente…

Abraço

Xanusca.

Irei procurar e ver… Beijinho.

Pedro Gamboa disse...

Bad Lolita.

“…dois polos, que se atraem... contra tudo e todos…”

Nunca tinha pensado nisso da forma que escreveste. E é a pura verdade.
Existe uma enorme atracção, e imensa gente que não a vê com bons olhos…
No entanto ela subsiste…
Muito obrigado.
Forte beijinho.

Lara disse...

Pedro, obrigada pela visita, mas não era aquele post a que me referia... mas sim, o que estava abaixo.

beijo

Lara disse...

Pedro estamos online mesmo.

Escreve sim, algo intenso... tenho a CERTEZA, que será algo de muito belo.
Pessoalmente acho que já tens alguns bem intensos... tens essa intensidade dentro de ti... solta-a :)

Acho que o aspecto carnal é tão importante como o sentimental. Não deixa de ser igualmente puro.


vou ficar á espera

beijo*****

Hannanur disse...

Encontramos personagens assim em Paris.Desconheço-lhes o título,mas vivem sem dúvida.

Gostei e vou ler mais posts teus.

Até...

Pedro Gamboa disse...

Memórias de um sorriso luso

Obrigado por apareceres, penso que de certa forma todos temos um bocadinho destas personagens….

£ou¢o Ðe £Î§ßoa disse...

Nem todos têm capacidade para ouvir quem nada profere...
Quanta lucidez existe na cabeça de quem nos parece menos do que... de certeza que conversou com as pedras!

Abraço, até outro instante!

Anónimo disse...

Estou apaixonada pelo que escreves.

Pedro Gamboa disse...

Louco de Lisboa.

Amigo, é fácil tomar a lucidez por louca ou insana, que ninguém se sinta dona da lucidez pois ela não reconhece qualquer dono!

Até outro instante. Abraço

Snowflake.

O meu obrigado.

Pierrot disse...

Uma Paris diferente sem dúvida...
Imaginação, uma escrita perfeita, uma fluência narrativa girissima...pelo menos para um leigo como eu.
Boa Pedro
Mais destas
Abraço
Eugénio

Pedro Gamboa disse...

Pierrot

Também tu és homem, que eu sei, para falares com as pedras da calçada…
Forte abraço Eugénio, muito brigado pelas palavras.

NaLua disse...

Pedro,

excelente texto.
Gostei do toque de humor, da parte em que ele diz que gostava de comer a Margarida ainda nessa tarde... ahhh quantas vezes eu não quis ser assim sincero, mas nunca estava alcoolizado suficientemente para o fazer...

"In Vino Veritas"

Grande saudação!

Pedro Gamboa disse...

Na Lua.

Compreendo-te bem. Dá vontade de fugir por vezes ao politicamente correcto…
Foi a primeira vez que dei um toque de humor, não me sinto com muito jeito para o fazer.

Obrigado pelas tuas palavras, forte saudação!