quarta-feira, janeiro 10, 2007

Verde

Olhei-me ao espelho, sorri para mim.
Aquela cara jovem de dentes brancos sorriu-me de volta, sim gosto de me ver ao espelho! Não tenho vergonha de o dizer, gosto da imagem do jovem distinto e bem parecido que o espelho me devolve.
Componho o nó da gravata, verifico se o fato negro feito por medida assenta bem, volto a sorrir.
Não sou feliz, eu sei.
Confirmo as horas no meu “ Breitling”, mesmo no ponto, tenho de ir.
Beijo Joana nos lábios apressadamente, penso que se chama Joana, passámos uma noite deliciosa. Jantámos divinalmente, bebemos loucamente, e por fim amámo-nos selvaticamente.
Valeu o dinheiro.
Bato a porta do quarto, apanho o elevador que ia descer, nem sequer olho para a recepção, já na rua peço para irem buscar o meu carro ao parque, hoje não posso mesmo chegar atrasado…
Vejo chegar o meu carro conduzido pelo funcionário do hotel, apaixono-me outra vez. Não, não tenho namorada, muito menos mulher, amo loucamente várias coisas todas elas sem vida, uma delas é o meu “ Mercedes-Benz SLR Mclaren”.
Sou correspondido eu sei!
Chego em cima da hora, sou brindado com os “Como está Doutor”, como odeio essa gentinha pequena que andarilha pelo casino como abutres.
Empurro as portas laterais, já lá estás, esperas por mim, eu sei. Não, não precisas de me dizer, sabes que és a minha rainha, minha única e fiel companheira.
Sento-me de frente para ti, vamos mais uma vez dançar, dançar mil músicas, sei que me vais contar conversas antigas, diversos finais iremos voltar a ouvir, já os conhecemos todos…
Partilhamos uma taça de “ Moet & Chandon", sei que sou teu escravo, sei que não sei viver sem ti, sei que lá no fundo só não sou feliz por causa de ti. No escuro em casa por vezes grito o teu nome para ver se te esqueço mas é impossível, chega a hora e faço os mesmos rituais, dou os mesmos passos, amada Roleta, caminho sempre para ti…
Cinco horas trocámos beijos, cinco horas ganhei.
Abro a custo a porta do quarto de hotel, sinto-me o animal mais solitário do mundo, estou um tanto enjoado e cambaleante, bebi demais. Bebo sempre demais quando ganho.
Coloco um cd, “Frank Black – Honeycomb” invade o meu quarto, sento-me na gasta cadeira apoiando os braços na pequena mesa, coloco a mão timidamente na minha carteira.
Agarrado ás velhas fotografias choro compulsivamente, tudo agora é mais difícil, tudo agora custa a nascer em mim, procuro pela enésima vez escrever-te.
Os meus pequenos textos para ti não são mais do que sombras do que em tempos já escrevi, não posso mais cantar a arte se estou tão triste…
Esta tristeza que me consome, esta tristeza que eu sei matar se quiser, esta tristeza que eu não vou vencer…
Um dia faltarão os objectos para me alimentar, os vícios, esses já pouco me conseguem fazer sorrir. Pensei que era possível, mas já devia saber a resposta, nunca nada vai conseguir preencher o teu lugar…
Nem nada nem ninguém!
Pelo menos assim quero acreditar…