sábado, agosto 02, 2008

Transparente

Uma brisa fresca descompõe-me o cabelo, sem dúvida este janela deixa entrar uma luz
sublime...
Encontro-me a experimentar uma dor que muitos já conheceram, procuro palavras para dizer o que muitos também quiseram dizer, sinto o desespero de não saber como fazer, como tantos outros desesperaram…
Tenho que dizer ADEUS!
Procuro inspiração lá fora, fecho a janela e fico a ver as oliveiras dançar ao sabor do vento.
Desvio os olhos para os olhos azuis do meu avô, que olhos…
Olhos carregados de sabedoria, mas isso nem é o mais importante, porque o que realmente se destaca naqueles olhos são a sua beleza, belos porque sim, belos porque a beleza não se questiona, belos porque a beleza não precisa de explicação!
Aqueles olhos de 92 anos sempre foram belos, desde a primeira golfada de ar que o são…
Ele olha para mim, olha para mim com aquela superioridade natural das pessoas bonitas, sorri ligeiramente não sabendo como a sua postura é altiva naquele momento. Altivez essa que tanto se contrapõem com a humildade de que sempre fez mote.
Nisto um pardal choca contra a janela num grande estrondo, procuro ver o animal.
O pardal não caiu morto como a outros por vezes acontece nestas situações, ficou preso nas pernas duma cadeira que por ali se encontrava, quieto, parado, abrindo o bico várias vezes, completamente ausente de tudo.
Eu não conseguia tirar os olhos daquele momento, esperava algo, esperava qualquer coisa…
Nisto o pardal começa a escorregar pelas pernas da cadeira a baixo não conseguindo segurar-se a nada, claramente não sabia como voar, não sabia sequer como equilibrar-se, e eu ali impotente também eu um tanto bloqueado observando aquela cena do outro lado da janela.
Finalmente o pardal cai no chão ficando ali assim ausente, parado, quieto, apenas abrindo o bico, preso entre dois mundos…
De repente senti que a minha vida estava ligada à vida daquele pardal, senti que também a minha vida estava suspensa…
Acabei por desistir de esperar algo daquele pardal ali assim, quieto, parado…
Continuei a conversa com o meu avô que não se tinha apercebido da situação, de vez em quando olhava encontrando sempre o pardal parado abrindo o bico ausente de tudo.
No fim quando me vim embora olhei uma última vez, não encontrei o pardal em lado nenhum, fiquei um tanto aliviado!
Talvez tenha voado, ou então desapareceu instantaneamente quando ninguém estava a ver…

domingo, maio 04, 2008

Sim

Sim eu sei!
Sim eu sei, que caminho por areias movediças…
Sabes, nem sempre é fácil perceber que o tempo passou, nem sempre é fácil constatar que o sorriso embora igual já não tem o mesmo brilho…
Não fácil caminhar com alegria, quando as pernas doem…
No entanto o cheiro a terra molhada continua a transportar-me para o paraíso, e como tal ele existe, claro que existe!
Quando te vejo correr para os meus braços cheia de alegria, quando vejo a felicidade pura estampada no teu rosto de criança de 5 anos, sei o que é felicidade.
Olhar para os teus caracóis castanhos, olhar para os teus olhos azuis, olhar bem fundo e perceber que és minha filha, que és o único pilar que realmente faz sentido na minha vida, perceber tudo isso numa fracção de segundo é perceber que o tempo e a vida não nos pertence mas que são algo de fantástico e isso não podemos negar!
Espero partilhar contigo muitas discussões, daquelas discussões intensas em que tu filha de quem és te reveles uma força da natureza, que defendas o teu ponto de vista com unhas e dentes e no fim quando vires as tuas pretensões goradas, sim! Porque por vezes vais ver as tuas pretensões negadas, vais velas goradas porque vais querer mais do que podes receber, é normal está no teu espírito, mas eu fonte de todo amor, e para ti na idade que tens fonte de toda a sabedoria e poder, vou negar-tas com firmeza e tristeza sabendo porem que faço o que é certo…
Então vais fechar-te em ti mesma e vais chorar de raiva!
Então eu furtivamente vou entrar no teu quarto e ao observar a raiva e a impotência por falta de poder nos teus olhos, por ver-te Leoa aprisionada por minhas ordens, vou ver em ti a força que em tempos eu tive, vou ver em ti a chama forte que em tempos ardia no meu peito.
Então num misto de alegria e tristeza vou sentir-me orgulhoso da mulher forte que te tornaste e triste por perceber que o meu tempo passou…

sexta-feira, abril 25, 2008

Encontros

Um olhar triste cruza-se comigo na rua…
Está tudo triste não vale a pena inventar, não vale a pena pintar bonitos quadros, não vale a pena fazer de conta e dizer para dentro e para fora na mesa do café que não é bem assim.
Se ao menos conseguisse criar em mim a magnifica realidade da inocência!
Mas eu não sou inocente, infelizmente não sou inocente, e quando saio à rua vejo bem, vejo muito bem!
Vejo a dor, vejo os caminhos cheios de pedras para quem não tem força para andar, vejo pesos na costas daqueles que são leves como penas e ainda assim não desistem…
Puta que pariu!
Vejo flores lindas serem pisadas, vejo flores lindas serem exploradas, vejo uma liberdade que não existe, vejo uma fraternidade que nunca existiu.
Foda-se, toda gente sabe que nunca existiu, pontualmente vemos gente que se ama de verdade, que se ajuda de verdade, vemos gente que realmente sofre pelos outros, mas pontualmente…
Não me interessa se hoje somos muito mais humanitários que no passado, apenas sei que nesta bela orquestra que é o mundo todos tocam o seu instrumentozinho para si, e o barulho é ensurdecedor!
Quem me dera não ouvir…
Sim, claro que sim, claro que temos os heróis do nosso tempo, pessoas que realmente gastam o seu tempo a pensar como melhorar a vida dos outros, pessoas que dedicam toda a sua vida a ajudar! A ajudar infinitamente…
Invejo-os, não são fracos como eu, não são uns merdas como eu que se limita a flutuar fazendo o seu esforçozinho para não ir ao fundo.
Mas felizmente para mim e infelizmente para o mundo não estou sozinho nesta vivênciazinha mesquinha, não….
O meu vizinho é um miserável cobarde como eu, assim como o vizinho dele e toda a nossa aldeia…

domingo, abril 13, 2008

Vento

Ele sobe agora as escadas, vem de rastos…
Senta-se no gasto cadeirão, reflecte nos seus 34 anos…
O que ele viu hoje marcou-o para sempre, jamais será o mesmo, percebeu finalmente…
Talvez ainda não seja tarde de mais…
Bom! Mas o melhor é começar pelo princípio, vou contar-vos tudo.
Lucas era sem duvida o miúdo mais fofinho do 5º Ano, todas lhe escreviam pequenos bilhetes cor-de-rosa dissertando sobre como era lindo que o amavam para a vida toda que queriam sentar-se sempre a seu lado na sala de aula.
Lucas estava a um passo de fazer o seu primeiro desfile internacional, desde os 14 anos que era economicamente auto-suficiente e agora aos 16 começava a construir uma carreira de manequim.
Lucas não fazia contas, acabara de pagar um enorme apartamento e poucas coisas lhe davam mais prazer do que conduzir o seu rápido topo de gama, apenas talvez quando fumava um charro e logo a seguir entrava fundo no corpo de uma bela mulher.
No alto dos seus 20 anos desfrutava do paraíso na Terra.
Lucas fazia um esforço enquanto bebia uma garrafa de champanhe na praia para se lembrar com tinha sido a sua primeira vez, não conseguia. Enquanto pensava observava as curvas da bela asiática que dormia a seu lado, colega de profissão com quem vinha dormindo casualmente há um mês, tinham ambos 28 anos.
Já de manhã sozinho no quarto do hotel apercebia-se de como uma tristeza que sempre existiu no seu coração tinha vindo nos últimos anos a crescer, a crescer de tal forma que se tinha tornado um fardo tão pesado que ele quase não conseguia suportar.
Lucas nunca tinha tido uma relação que durasse mais que 6 meses, tinha estado com mulheres de todo o mundo, tinha partilhado com elas experiências fantásticas, conhecido lugares lindíssimos, mas nenhuma lhe tinha tocado no coração. Ele também nunca tinha procurado envolver-se, às vezes sentia que começava a nascer nele alguns sentimentos por esta ou aquela mulher mas rapidamente começava a detectar nelas alguns defeitos, alguns aspectos ridículos que o irritavam de morte. Sentia então uma rápida vontade de terminar tudo.
Outras vezes achava que a relação tinha tudo para dar certo, que gostava mesmo dessa rapariga, mas depois num qualquer bar, restaurante ou até sala de cinema via uma outra jovem que lhe despertava o interesse, então astutamente lançava-se numa enorme cruzada de conquista que com maior ou menor dificuldade vencia!
Aquela tristeza estava a fazer dele um farrapo, amanhã era o seu dia de aniversário, fazia 34 anos.
Cada vez tinha menos cuidado com a sua imagem, cada vez o álcool e o cannabis eram sua maior companhia, das poucas vezes que saía para beber um copo constatava que o seu encanto com as mulheres já não era igual, que a noite já não era igual, que a sua profissão já não era igual, mas também não se importava, basicamente ele não se importava com nada…
Tinha combinado passar o dia de anos em casa dos pais, chegou ao terminal de autocarros e optou por ir a pé para casa em vez de chamar um táxi.
Passou pelo velho jardim onde brincou enquanto criança, sentou-se e acendeu um cigarro, ficou ali a olhar para as árvores.
O som de crianças a brincar chamou-lhe a atenção, observou então os velhos escorregas onde brincavam duas crianças que deviam ser irmãs, um rapazito com não mais de 5 anos e uma menina de 3, bonitos bastante loirinhos.
Reparou então nos pais das crianças que estavam ali por perto, a Luísa e o Ricardo, conhecia-os bem. O Pai das crianças tinha sido seu colega de escola, tinham nascido no mesmo ano, nunca tinham sido amigos. O Ricardo sempre fora conhecido na turma por ter muitas dificuldades em aprender, e também por não ter jeito para praticar desporto. Lembrava-se agora de Luísa uma rapariga não muito bonita, um tanto gordita e cheia de borbulhas também da sua turma.
Eles tinham começado a namorar no 9º ano. Enquanto observava melhor Luísa constatava que era uma mulher agradavelmente bonita, via-se que era a mãe daquelas duas crianças, mas ainda assim bastante atraente. Tinha envelhecido bem!
Ficou a olhá-los sentindo aquela tristeza explodir dentro dele como um vulcão…

sábado, março 01, 2008

Viagem

Que sabor…
A minha língua percorre a tua perna a alta velocidade, estás tão quente….
Sabes a sal…
Entro em ti e depois saio, saio devagar, fico a olhar para ti com esse ar arquejante de quem quer e não quer ao mesmo tempo.
Volto a entrar suavemente, satisfeita outra vez, pergunto?
Volto a sair suavemente…
Afasto-me, saio da cama, encosto-me ao canto do quarto.
Enquanto dou mais um gole no fabuloso vinho que abrimos, olho-te.
Que perfeição!
Deitada na cama, nua, a tua silhueta é perturbadora, olhas para mim com esse ar de leoa enquanto fumas o nosso “preparado”, percorro o teu corpo centímetro a centímetro com os meus olhos e penso em mim…
Penso como sou jovem, como tenho a sorte de mergulhar toda a tarde neste corpo jovem e rijo que se encontra na minha cama, ficava dias assim neste estado de semi-bêbado, nesta semi-realidade.
Atiro o copo vazio para cima da cama, eu vou a seguir, desta vez não tenciono sair e entrar…
Ao veres-me avançar viras-te de costas para mim, agarrado a ti ao segurar no teu cabelo somos só um, vamos iniciar a viagem desta tarde!
Que incrível fricção, que loucura, provavelmente o mundo vai acabar, de certeza que fizemos a terra mexer… de certeza!
Esta loucura parece não acabar, não quero explodir, não sinto vontade de explodir, apenas ficar assim até a exaustão…
Lá no fundo sei que não vai durar para sempre…
Mas tu és toda gemidos e prazer, estás noutro mundo eu sei.
A dada altura sinto que até eu não faço parte desse teu planeta de prazer, és apenas um todo de convulsões e eu o alimento para que nada te falte!
Gritas agora enquanto regressas…, hoje fui apenas o barqueiro, pois o local novo onde foste nesta viagem eu não conheci.