domingo, novembro 26, 2006

Disco

Olho-me ao espelho, tenho de admitir, tive sorte.
Observo o meu corpo enquanto saboreio o martini tranquilamente, acho-me bonita, o vestido de noite cai-me divinamente, é belo o decote, decididamente tenho sorte.
Sinto o álcool falar-me ao ouvido.
Danço agora freneticamente, vem-me aquela sensação de rainha, sei que emano desejo, sei que transpiro sedução, a pista é claramente minha.
Ao dançar dentro do meu vestido negro sou luxúria feita mulher, os meus cabelos compridos dançam com a musica…
O álcool continua a contar-me segredos, diz-me que sou a mais bela, diz-me que os meus movimentos são terrivelmente sensuais. Tenho sede...
Alguém me agarra quando passo, viro-me assustada, que belo estalou-me na cabeça.
Um homem alto, de olhos claros, largou-me a mão de imediato, tinha estabelecido contacto visual já não precisava do meu pulso.
Era bonito sem dúvida, falou-me ao ouvido algo que não percebi, toquei-lhe no peito levemente aproximando-me para o ouvir melhor, senti por baixo da camisa um corpo duro claramente trabalhado.
Espantada com a minha ousadia recuei, observei melhor a sua excelente silhueta, que perdição de homem pensei.
Ele avançou para mim, hipnotizada vi aquela cara perfeita, aqueles lábios tentadores aproximarem-se dos meus.
Ai… Como sentia vontade de beijar aquela boca, as minhas mãos ansiavam por agarrar aquele tronco, o meu corpo implorava por ser tomado.
Arquejei ligeiramente, os meus lábios abriram-se suavemente na iminência do beijo…
Empurrei-o violentamente.
Virei costas em direcção ao bar.
Carne não é tudo nesta vida, pensei, há quatro anos que conheço o amor, através dele sou um ser maior, graças a ele quero criar e construir, descobri um mundo de paz que desconhecia, não sou mulher de abrir mão dum compromisso.
O dia nascia intensamente.
Introduzi a chave na porta, o meu vestido de seda emanava inúmeros cheiros.
Bati a porta atrás de mim.
Sentei-me no hall de entrada, agradeci a mim mesma o discernimento, disse baixinho – “Estou aqui, voltei! Sinto-me ainda mais apaixonada…
Largando roupa por todo o lado entrei no duche, não queria mais o álcool dentro do meu corpo, já me tinha servido o suficiente esta noite.
Passeio-me nua pela casa, não tenho qualquer sono, Feist toca suavemente.
Sinto um impulso enorme de dizer que o amo.
Reparo agora que alguém deixou um envelope debaixo da minha porta, um pequeno envelope de carta com o meu nome sorri para mim.
Pego-lhe imediatamente.

Margarida.

Sinto uma enorme curiosidade e um medo terrível de não aproveitar tudo o que a vida tem para me dar.
Aos 25 anos percebo melhor qual a sensação de ter pena, arrependimento de não ter feito algo importante.
As vezes penso como é impossível dizer que não, como posso negar a mim mesmo o desfrutar de corpos de diferentes mulheres?
Como posso deixar passar a oportunidade de aproveitar corpos rijos e cheios de juventude que só se oferecem a mim porque também eu sou igualmente jovem?
Terei tempo quando o meu corpo perder um tanto da sua força e beleza de dar exclusividade sexual a uma e uma mulher só.
Não posso assumir mais o nosso compromisso.
Desculpa.

Rodrigo.

domingo, novembro 19, 2006

Chuva

Hoje sou um fantasma.
Não percebo porque? Ninguém olha para mim, as mulheres passam por mim na rua ignorando-me completamente.
Sei que não é dos meus sessenta anos. Nem sempre foi assim!
Sei-o bem, mesmo que não queira admitir hoje sou metade do que fui, a vida levou-me o encanto, a beleza, só me deixou o dinheiro! Esse fiel amigo que curiosamente sempre insistiu em acompanhar comigo, mesmo sem eu fazer muito por isso.
Insiste em acompanhar-me mesmo sabendo que não gosto dele, mesmo sabendo que no fim o odeio, e que principalmente o culpo da sombra que sou hoje.
Sei que foi ele o estratega, sei que foi ele que levou um filho a afastar-se dum pai.
Como estará ele? faz hoje dez anos que não o vejo…
Apenas sei dele pelas outras pessoas, sei que é escritor, sei que escreve na esperança de um dia ver reconhecido o seu trabalho, nunca desde pequeno deu importância ao dinheiro, como o percebo agora… Admiro-o!
Mas não tenho coragem para lhe dizer.
Enquanto vou reflectindo nestas coisas, sinto aquela tristeza que me acompanha instalar-se gradualmente.
Hoje vou ser jovem outra vez, nem que para isso tenha que pedir ajuda ao meu sempre amigo.
Não há nada mais belo que o corpo duma mulher, jovem, cheio, simplesmente sublime!
Ainda enrolado no lençol abraço um charuto, és linda Julia!
Quase fui feliz por momentos, mergulhar naquela jovem desconhecida, beijar aquelas longas pernas, tenha sido uma experiência inesquecível, nunca o fizera antes, que bonita mulher… Ainda assim nunca, nem por um segundo, adormeci a minha dor, nem por um instante consegui calar a minha tristeza.

Deitada, saboreava o seu copo de vinho, ainda sentia o cheiro do seu último cliente.
Júlia desde cedo começou a perceber que despertava nos homens uma reacção diferente. Mesmo ao principio, não percebendo qual.
Preguiçosa, e gostando disso, não foi de estranhar que ainda antes de atingir a idade adulta já ganhava num mês o que os seus pais nunca ganhariam num ano.
Vestiu o seu roupão de cetim, desceu escadas a baixo, eram quatro da tarde.
Enquanto passava perto dum quarto, não pode deixar de ouvir suaves gemidos de prazer, chegando cá em baixo, apenas duas colegas se encontravam sentadas, conversavam nos enormes sofás de veludo.
Voltou para o seu quarto, pensou nele, que falta lhe fazia…
Sabia perfeitamente que estava a cometer um erro, mas não podia evitar, tinha acontecido algo especial quando o conheceu, algo mudara dentro dela, uma estranha admiração por outro ser humano tinha nascido no seu peito.
Até ai, jamais tinha admirado alguém, a não ser ela própria é claro!
Passar aquela semana com ele tinha sido de sonho, ter a oportunidade de vê-lo trabalhar, poder apreciar como vivia, aquilo em que acreditava, como saboreava as coisas simples e principalmente como escrevia, que bela era a maneira como escrevia!
Suspirava agora Júlia, enquanto se espreguiçava na já gasta cama redonda, vaidosa ia se mirando no espelho que se encontrava no tecto, tinha desapertado o roupão, nua, deitada na cama sentia-se adormecer.
Sonhava com o seu escritor…

terça-feira, novembro 14, 2006

Água

Sinto-me acordar levemente, acordo agitado como sempre, não porque tenha dormido mal, mas por uma outra qualquer razão que não sei explicar.
Ainda é cedo, sinto-o.
Viro-me para o lado, tento dormitar mais um pouco. Um agradável cheiro percorre o quarto, raios de sol beijam-me a face, procuro aconchego no corpo nu que dorme comigo.
Quem será?
Toco naquela pele macia, subo e desço com o meu dedo por campos e vales, adoro o seu cheiro a rosas, deve ser bela.
Não me apetece!
Salto da cama, rapidamente visto o roupão, a madrugada dispõe-me bem, entro na cozinha de repente, varias mulheres com fardas ás rendinhas revelam-se constrangidas.
- Bom dia menino.
Apalpo todas, sou brindado com vários gemidinhos envergonhados, mordisco qualquer coisa enquanto saio para a rua.
Olhares reprovadores são meu alimento, agarro no primeiro cavalo, apetece-me voar.
O centeio está bonito, vejo-o passar a grande velocidade, o meu companheiro branco corre vorazmente, ainda é um belo potro como eu.
Algo me faz estancar imediatamente!
Um som que conheço orienta-me, não pode haver canto mais bonito. Procuro não fazer qualquer barulho enquanto desbravo cautelosamente o centeio, passados poucos momentos descubro o que procurava.
A metros de mim, um escravo com não mais de vinte anos, faz amor vorazmente com uma jovem.
Fico encantado!
Dois corpos negros, belos, vibravam em uníssono, de costas para mim aquele corpo musculado de pele brilhante enche de prazer aquela mulata.
Ela revira loucamente os olhos, o seu peito redondo, transpirado, parece querer tocar o céu, é perfeita nos seus pequenos espasmos, os seus gemidos aumentam agora de tom, o corpo daquele homem contorce-se violentamente, poucos minutos restam, gradualmente a paz roubada voltou à ceara.
Regresso silenciosamente.
Os meus cabelos compridos misturam-se com o vento, cavalgo vale a baixo, pequenas flores observam-me, assim como eu, adoram o sol!
Prendo o meu companheiro de viagem no velho carvalho, o roupão cai no chão, encho o peito, respiro com força esticando os braços, procuro abraçar a vida. Nu, mergulho entusiasticamente.
Sou livre!
Fecho os olhos, fico assim a boiar como se não houvesse amanhã, sinto aqui e ali folhas que se colam a mim, irei levá-las para casa, pequenos pássaros que desconheço cantam, o vento sacode tudo emitindo um pequeno som, uma nuvem mistura-se com o sol.
Uma lebre pára na margem, olha para mim.
Fico a olhar aquele animal ali parado, de orelhas espetadas fita-me orgulhosamente, olha para mim com a sabedoria de mil anos, majestosamente parece já saber tudo.
E sabe!
Meneou a cabeça e arrancou velozmente pelo prado, aprecio ternamente a graciosidade do momento talvez um dia também eu saiba tudo…

quinta-feira, novembro 09, 2006

Paris

As pessoas olham para mim na rua, não sei se por causa do meu Pai ser um rico e famoso Conde, se pelo ópio que deambula no meu corpo.
Chego um tanto cambaleante, sento-me na mesa do lado.
O empregado faz-me uma vénia, trata-me pelo nome, não se esquecendo do meu título, pergunta-me se bebo o costume.
Respondo que sim, sem trocar qualquer olhar.
Acendo um cigarro, o meu aspecto é o mais desalinhado possível, tiro do bolso um pedaço de papel amachucado.
Da minha orelha sai um sujo lápis de carvão, chega o meu vinho.
Olho para os desconhecidos que comigo partilham aquele café de luxo no centro de Paris.
Sorrio para eles, imagino que os meus dentes negros não façam sucesso, procuro escrever umas palavras, não me sai nada…
Dói-me a cabeça, penso na falta de coragem das pessoas, penso como se deixam aprisionar, como acabam por viver vidas que nunca quiseram. Eu não sou melhor.
No fundo de mim mesmo, sou o maior crítico, tenho uma voz dentro do meu peito que me devora, felizmente posso adormece-la com algumas garrafas, mas jamais a posso matar…
Ainda bem.
Mais uma taça de vinho.
Júlia entra, sem cerimónias senta-se na minha mesa, cruza as pernas, que belas pernas, que bonito decote, é uma bela mulher!
È minha irmã.
Sorrio levemente, culpo o álcool deste meu pensamento indecente, amo-a, mas não dessa maneira.
Outros animais que não eu, um dia a farão corar. Prefiro não pensar nisso!
Sorrio levemente outra vez, penso que até um porco como eu, que a única coisa que sabe fazer é desrespeitar o seu corpo, procura proteger os que mais ama.
Preparava-se a minha mana, para me dar o chá do costume, quando chega uma bela donzela, impecavelmente vestida. Acenou para a mesa!
Fui apresentado, percebi claramente que o meu cheiro a repugnava. È normal.
Uma bela donzela não deve gostar do cheiro reles de putas. Mas que posso fazer, se é sempre em casas de pecado que durmo as noites...
Claro que a menina de seu nome Margarida, demorou a perceber que tal traste imundo era o irmão mais velho de Júlia.
Resolvi dizer-lhe.
- Menina Margarida jamais vi nesta taberna, que se diz por fina, tão bela mulher.
- Não devia ter dito “bela mulher” mas sim bela menina. Respondeu ela.
- Jamais poderia ter dito bela menina, quando para mim a Margarida é uma bela criação que adoraria provar ainda esta tarde.
Eloquentemente sou brindado com um forte estalo, com a ajuda do tinto, espalho-me ao comprido no chão.
Nasceu em mim o amor…
Elegantemente quanto é permitido a alguém que se encontra totalmente alcolizado, levanto-me, agradeço a prova de amor e beijo-lhe a mão.
Saio porta fora, já nos paralelos sujos simulo uma pequena dança comigo próprio, não valho mais que as pedras da calçada, não estou mais limpo que elas, no entanto invejo-as.
Invejo a sua sabedoria, invejo tudo o que elas já viram, se ao menos me respondessem…

quinta-feira, novembro 02, 2006

Mãos

Sentei-me.
Suspirei…
Servi-me calmamente, o leve aroma de comida invadiu-me, peguei na garrafa.
Levantei o copo, um vinho bastante encarnado, denso, dançou dentro dele.
Todos falavam entusiasticamente, trocavam pequenos pratos, serviam-se de tudo gesticulando.
Sorri…
Ninguém dava por mim, pareciam felizes, diversas conversas misturavam-se na antiga sala de jantar.
No topo da mesa onde me encontrava, ouvia frases misturadas, enroladas umas nas outras, palavras filhas de diferentes conversas chegavam até mim, não percebia o seu sentido, mas guardava-as todas.
Tossi…
Estou nu na praia, uma onda gigante engole-me gradualmente. Foi assim que senti a onda de silêncio que me atacou quando provoquei o pequeno som com a garganta.
Um miúdo loiro de cabelo comprido saltou imediatamente da mesa, prato e copo estalaram no chão, nem olhou para trás, voou para cima de mim beijando-me onde conseguia.
Abracei-o com a força do mundo, mergulhei o meu nariz no seu pescoço, senti aquele cheiro, era a minha cria...
Chorei…
Enquanto abraço a minha vida, sinto um homem forte abraçar-nos aos dois, viro-me para trás, um velho ancião de mãos nodosas e gastas chorava, espetou o seu nariz no meu pescoço, sou a sua cria...
Em seguida partilhámos amor e pão, abraçámos todos...
Estávamos na nossa cidade tranquila.