sexta-feira, dezembro 30, 2011

Fado

Entramos de mãos dadas pelas sombras, abrimos as portadas, sentimos o cheiro, olhamos por um banco vazio, uma cadeira já gasta, um qualquer lugar para nos embrulharmos naquele xaile.
Tudo é denso, é denso o copo de vinho que nos servem, é densa aquela voz…, aquela voz que nos invade. Por fora procuramos ficar transparentes, pequenos, encostados a um qualquer canto. Mas por dentro a nossa alma está viva, podemos sentir calmamente a nossa alma crescer, a subir, a subir….
Tu sentes-te vivo, muito vivo, a guitarra toca numa dança simples com aquela voz, tudo é tão natural, tudo é tão especial…
E então tu percebes que a tua vida também é tão simples, olhas os teus companheiros enquanto esvazias o primeiro copo, não falas com eles, mas olhas para eles, e vês vida nos olhos deles, sentes que também já eles fazem parte daquela dança, também já eles fazem parte daquela tela, tudo está no sitio certo.
A música não podia ser melhor, a guitarra não podia soar melhor, aquele dedilhar mágico, tão suave, os teus amigos são os melhores, são puros como tu, deixas-te rir por dentro enquanto o fado chora por fora, e então tu és Rei na tua vida, sentes que os teus valores são os certos, olhas à tua volta e vez gente que são teus irmãos, são todos tão perfeitos.
Sentes-te grato pelo convite, sentes-te grato por teres embarcado naquela viagem, sentes-te pequeno ao pé de tudo aquilo, amas todos, principalmente os que partilham contigo pão e vinho.
Cada vez te focas mais nas letras, nas vozes, nos comportamentos, e então uma madeixa cai sobre um olho…
Tudo pára para ti então, o tempo parou, aqueles pequenos dentes brancos que aparecem no meio de uns lábios perfeitos, fixam-te violentamente.
Como só agora a viste!?, pensas tu, naquela tela escura pintada a negro e encarnado, no canto da sala brilha a perfeição.
Despejas violentamente o resto do vinho por ti a dentro, agora existe um foco de luz invisível naquela sala escura, como é possível tamanha beleza…
Deixas que aquela droga tome conta de ti, a maior droga de todas, olhar para aquele olhar perdido, aquele olhar que se entrega há guitarra intensamente, por momentos abre ligeiramente a boca, por momentos pisca os olhos, e tu pensas que loucura!
Que beleza…
Bebes mais um copo, que bom está o vinho, que bem canta a fadista, mas como será que ela se chama, onde é que ela esteve este tempo todo, aquele cabelo encaracolado, aquela pele morena, e tu escravo, e tu pequeno, entregas-te perdidamente…
Davas tudo por um beijo, davas tudo por um sorriso para ti, davas tudo por um momento de exclusividade com aquela princesa, sentes-te pequeno ao pé de tanta perfeição.
Mas então toca mais um fado, mais uma voz rouca conta caminhos e viagens feitas por outros, e tu procuras firmar os pés no banco, aquela música emociona-te ao se misturar com a visão da mulher da tua vida, ao se misturar com aquele ambiente denso, com aquele vinho suave, ao misturar-se com a tua juventude…
Tudo está em aberto para ti, e então avanças, sais de cima do banco e escorregas ligeiramente, apoias-te num velho que está ao balcão e caminhas…
Chegas perto da mesa, passando mesmo ao lado da fadista, mesmo a fadista cantando na sua emoção, repara em ti.
Encostado à mesa daquela princesa, desajeitadamente baixas-te e dizes baixinho, de forma a que ela oiça:
- Amo-te. Sei que é uma parvoíce, sei que para ti não sou mais do que uma pedra suja no meio de tantas outras no teu caminho para casa. Mas mesmo as pedras sujas às vezes têm sorte e alguém as mete no bolso. Casa comigo!
Surpreendida ela não consegue esconder um ligeiro sorriso, dá a entender que quer ouvir a música, mas observando-te mais demoradamente diz-te:
Senta-te nesta cadeira ao meu lado se quiseres, pede mais um copo de vinho, esvazia o teu pensamento, vamos ouvir fado.

quarta-feira, dezembro 21, 2011

Cor-de-Rosa

Mãe matei um homem….
Carla ao tirar o soutien sabia onde tudo ia acabar, sabia a força que tinha, sabia que já não dava para voltar a trás.
Meias que lhe chegavam ao joelho, aquele pequeno rabinho metido nas suas cuecas cor-de-rosa, aquelas cuecas a que ela e o namorado chamavam cuecas dos dias tristes.
Saltou para cima do sofá e começou a dançar, um peito pequenino oscilava dentro duma t-shirt branca, era fácil perceber aqueles bicos rijos por trás do algodão.
Olhou o homem e disse-lhe:
- O meu pai disse-me que o único obstáculo entre mim e a felicidade sou eu mesma, acontece que ele não sabe que eu sou feliz!
O homem respondeu com os olhos a arder de luxuria, porque não dizes ao teu pai que és feliz?
Ao dizer isto o quarentão tentou alcança-la, procurando segurar-lhe a barriga.
Carla chutou o homem na cara suavemente, ele obedeceu.
- Meu senhor jamais posso dizer ao meu pai que sou feliz, mas posso dizer-te a ti porque sou feliz, queres saber?
- Porque hoje, meu querido, vais morrer!
Ao dizer isto Carla aproximou-se do homem e beijo-o na boca, deixou ficar a língua dentro da boca dele e rodou, rodou um pouco mais, ainda um pouco mais…
Começou a escorrer alguma saliva da boca colada de ambos, o homem procurou afastar-se, ao procurar afastar-se sentiu uma mão na parte de trás da cabeça dele que o pressionava, que o obrigava a ter a boca colada na dela.
Mesmo sentindo-se dominado o homem saboreou o cheiro a lavanda e perfume que vinha da pele dela…
Apercebeu-se então que ela na posição em que estava não tinha possibilidade de segurar a cabeça dele com tanta força, realizou imediatamente com terror – Alguém lhe empurrava a cabeça, cada vez com mais força em direcção à boca dela!!
Procurou soltar-se, procurou sacudir-se, e então Carla afastou-se, afastou-se e olho-o fundo nos olhos, os olhos dele já não mostravam luxuria, mas sim terror!
Tentava virar-se, mas quem lhe segurava a cabeça, agora com as duas mãos, não lhe dava hipótese de se virar…
Carla ao olhar para ele sorriu, mostrou aquela boca de lábios perfeitos, de dentes brancos, e ficou assim por momentos a vê-lo debater-se em pânico…
Cuspiu-lhe para a cara, em seguida lambeu tudo devagar….
Ele começou a relaxar, começou a achar que tudo fazia parte de uma fantasia, começou a gostar de sentir a sua cabeça completamente fixa, enquanto Carla lhe desapertava a braguilha, começou a imaginar quem lhe seguraria a cabeça, começou a imaginar que fantástica mulher de braços fortes o segurava assim. Ao sentir o primeiro contato do seu membro na boca dela, começou a pensar se também iria ter sexo com essa mulher que lhe violava a cabeça, não lhe permitindo ter outro campo de visão.
Carlos estava cada vez mais excitado, sentia perto o momento da explosão, não podia segurar mais e deixou-se ir, fechou intensamente os olhos…
E assim morreu, assim de repente sentiu uma ligeira torção no seu pescoço, essa torção ganhou força, e por momentos pode ver os braços fortes e peludos que o matavam.
O charmoso quarentão cai prostrado no chão, Daniel abraça Carla beijando-a de forma voraz.
- Vamos para França meu amor, sinto-me feliz, sinto-me leve, vamos viajar e consumirmos-nos intensamente, sabes que te amo e tenho amor do tamanho do mundo para te dar.
Quero abrir aquele vinho, quero dançar aquela música, ai… como quero segurar a tua cintura nesses vestidos que vais comprar. Nada vai chegar para nós, não vão haver lençóis suficientes para nos enrolar, não vão haver linhas suficientes para nos fazer flutuar…
Vamos viver para o romance, porque palavras leva-as o vento, vamos fazer coisas que façam parar o tempo, tu e eu Carla, tu e eu somos capazes de fazer parar o tempo sabias?
Carla olho-o fundo nos olhos, deu-lhe um beijo emocionada e fechou os olhos, afastou-o um pouco da sua cara, ele olho-a e achou-a mais bonita do que nunca. Ela de olhos fechados, perfeita disse perdidamente:
- Daniel, acabámos de matar de matar o meu padrasto, acabámos de selar riqueza para toda a vida, mas não há lugar para ti nesta viagem amigo, nesta viagem onde vou conhecer tudo o que de melhor o mundo tem para oferecer, só há lugar para mim e para a minha Mãe!

sábado, outubro 01, 2011

Outono e Uvas

Pedes-me para escrever sobre o Outono e sobre as uvas…
Deixa-me apenas escrever sobre as uvas, deixa-me apenas escrever sobre cachos, deixa-me apenas escrever sobre Lucas, Lucas o rapaz que trabalha na Fnac!
Lucas, o rapaz da Fnac é bonito! Sim é verdade Lucas é bonito, não sei se é inteligente, mas é bonito…
Lucas não repara nas raparigas, está demasiado absorvido com ele próprio, está demasiado absorvido com a música que lê, com os livros que ouve…
Elas param por lá, elas dançam por lá, elas ficam loucas com o Lucas, elas ficam húmidas com a indiferença, elas vibram com os acordes que de violoncelo da música de Lucas.
Lucas fuma como se não houvesse amanhã, e no meio do seu hálito de cinzeiro deixa a sua audiência quente, quente com a profundidade das suas palavras, com o a tristeza fingida que vende naturalmente.
Ele sabe que no fundo não é infeliz, ele sabe que no fundo gosta de as ver arranhar-lhe as costas de prazer, lá no fundo ele gosta de rir após uma noite de prazer com aquelas princesas que dormiram com ele apenas por acharem que é dele que nasce a arte.
Por acharem que é dele que nasce a cultura e todo o seu misticismo, porque ele é demais…
Porque é demais dar uma foda com um primo que não se sente integrado, com um primo que está sempre triste, que gosta de um som triste…
Mas Lucas embora vibre sabe que come hipocrisia ao pequeno-almoço, e sabe que é novo e que muito da imagem que passa é estratégia. Lucas sabe que ainda é uma fraude!
Talvez um dia possa haver uma fusão entre o que ele quer que pensem dele e aquilo que ele é, mas hoje ele sabe que ele é uma ideia, e uma ideia que flutua no ar sem ter qualquer ligação ao real.
Mas Lucas lá no fundo quer algo, não sabe ainda o que quer, mas quer! Ontem ao ver Patrícia toda nua debruçada sobre a mesa lembrou-se do Jorge.
Jorge Palma cantou-lhe num CD velho que …” na terra dos sonhos toda gente trata toda a gente por igual…” ele olhou para aquela princesa e sentiu que era lixo, e sentiu que só na terra dos sonhos vale a pena viver.
Ao sentir-se lixo percebeu que era Ouro, e ao bater no fundo percebeu que tinha nascido, e ao agarrar-se ao que valia a pena percebeu que o Peso é a maior leveza que se pode encontrar!

sábado, abril 02, 2011

Tu acordas

Tu acordas, tu deslizas…
Lá fora as bombas a cair, na TV a guerra é em directo…
Bem-vindo ao fabuloso mundo, bem-vindo ao olho por olho, ao dente por dente.
Passas o dedo pela minha perna, passas o dedo pelo meu peito. Que suave! Gritas para todo o prédio que me amas, abraças-me com força, as tuas pernas entrelaçam-se no meu tronco…
No jornal espalhado na cama lê-se em letras garrafais que os políticos roubam, que o País está em crise, e tu amachucando-o ligeiramente com o teu pé, com esse teu pé delicado, esse teu pé de unhas pintadas, perfeitas! Esticas-te para mim, por cima das tuas costas espreito, vejo o paraíso.
Espetas o teu rabo e beijas-me ardentemente.
Somos nós e nosso mundo, somos nós e o nosso castelo!
Lá fora a sol brilha um sol prateado que cobre todos, lá fora o ar também é puro, por momentos parece que tudo está bem, parece que não se morre de fome, parece que os Países se movem por caridade e não apenas no sentido de satisfazer os seus interesses!
Quando entro dentro de ti, quando as tuas pernas bronzeadas enchem o quarto reflectido luz, quando essa tua lingerie branca que arranquei sem racionar está agora caída no chão, tudo afinal está bem.
Afinal o mundo cresceu, afinal sabemos que estamos entre irmãos, afinal ouvimos a voz!!
A voz exclusiva de dentro!
Os teus caracóis, os teus olhos castanhos sabem quando me perco, venham mais perder-se! Venham mais de uma vez, venham beber copos com os seus familiares, embebedaram-se intensamente, vamos ser excessivos, vamos transbordar!!!!!
Porque nada mais presta, porque nada mais vale a pena do que um beijo, porque tudo é efémero, porque o dinheiro é lixo! Porque o prazer de possuir coisas é vazio!
Se querem possuir, se querem possuir verdadeiramente!
Possuam a vossa mulher. Façam amor a todas as horas, façam amor com a vossa mulher e a seguir saiam para o café e juntem-se com os vossos amigos e façam amor outra vez, façam amor bebendo e comendo, dizendo-lhes nos olhos que gostam da companhia deles!
E depois vão a casa dos vossos familiares e façam amor outra vez…
Porque mais nada vale, porque mais nada presta!
Porque as pessoas…, porque as pessoas… não sei?!
Acho que as pessoas só são boas para quem querem…, ou então umas são mais ou menos boas, outras mesmo boas e muitas outras más. E sempre foi assim!
Não sei nada, aliás isto não é mais que escrever parvoíces que estalam na minha cabeça enquanto canta o Brandon Flowers.
Nós, as pessoas, nós, o Mundo, no que toca ao nosso relacionamento com os mais distantes, com aqueles de quem não somos amigos ou familiares, não somos grande coisa.
Somos maus.

sábado, março 12, 2011

Se a torre Eiffel falasse…

Sentado no velho banco de pau observo o céu.

Lá fora o castanheiro dança para mim, que parvoíce, agora que estou velho é que o castanheiro dança para mim…

Está um vento fantástico, é Verão. Está uma tarde lindíssima, este vento novo, irreverente, insiste em mandar-me para dentro de casa. Mas hoje não, hoje vou ficar por aqui, afinal o castanheiro está a dançar para mim…

Todos foram, todos…

Mas também outros tantos apareceram, e eu sempre soube que ia ser assim, afinal na minha mesa ficava sempre um lugar vazio, não fosse chegar alguém com fome!

Com fome de comer, com fome de ler, com fome de partilhar ou apenas escutar…

Tanto na minha mesa como na minha vida sempre houve lugar para mais um. Pessoas boas fazem sempre falta, conheci várias, enterrei bastantes…

Lembro-me bem daquelas noites quentes na adega, poetas, escritores, curiosos das artes e mais qualquer um que trouxesse paz. Revelavam-se e bebiam vinho como se o amanhã não viesse. Saudade…

Eu por vezes tentava olhar de longe aquela gente da minha idade, muitos conhecia desde rapaz e pensava.

Caramba!

Fiz amor hoje de manhã com a mulher mais incrível de todas, a minha! Almocei com os meus belos filhos, e agora desfruto desta gente onde também estão os meus irmãos, bebendo cada palavra, saboreando cada ponto de vista, que maravilha!

Se sou boémio? Claro que sim! E espero ter dias em que também sou bom.

E assim nesta contemplação sei que tudo é tão simples, tão simples…

Olho para o meu jardim, foi ali que dancei contigo tantas vezes, ali debaixo do castanheiro que plantei contigo. Há…. Quem me dera…

Quem me dera tocar outra vez naquelas tuas nádegas firmes, que belo era o teu corpo, que bela eras quando dançavas aninhada no meu peito, nesse mesmo peito onde adormeces todas as noites desde há muito…

Ainda bem que enquanto lavas a nossa loiça não consegues ouvir os pensamentos deste teu velho, pois não ias gostar de saber como sinto falta do teu rabo firme!

Sim é verdade! Sinto falta de te ver vestir, sinto falta da tua cintura fina e pernas longas…

Ai…, sinto falta do teu peito farto, sinto falta pois! este teu velho ainda está bem vivo, que pensas!?

Ainda ontem pensei nas nossas noites em Paris, aquela bela e chuvosa Paris, aquele quartinho barato e tu nua perto da janela. A intensidade com que partilhávamos aquelas taças de vinho, a intensidade com que respiravas no meu pescoço. Como queria tirar outra vez aquela foto onde se vê o bico do teu peito e logo a seguir por trás da janela a torre Eiffel. Aquela torre espreitando os nossos corpos jovens e suados…

Se a torre Eiffel falasse…