terça-feira, setembro 26, 2006

Janeiro.

Saiu de casa, o cabelo totalmente desgrenhado. Os olhos raiados de sangue choravam, choravam muito. Ele era personificação do descontrole.
Bateu com a porta, saiu para o passeio, atirou-se para o chão, chorava agora compulsivamente.
A dor que o tinha inundado minutos antes, ruborizava-lhe a face, e principalmente encolerizava-lhe a alma, tinha de se vingar, tinha de ser…
Colocou-se de joelhos, gritava estridentemente, um berro alto e seco espantava todos!
Berrava como louco, um berro descontrolado que não esboçava qualquer palavra.
Aos poucos aquele comportamento ia silenciando a rua. Pessoas estáticas observavam petrificadas.
Começou a bater com as mãos, violentamente, na poça de água, cada vez gritava com mais força!
Então levantou-se, começou andar tranquilamente, já não era a mesma pessoa, nunca mais voltaria a ser.
Naqueles cinco minutos tinha envelhecido, tinha envelhecido nem muito nem pouco, apenas o suficiente para aquele rosto que outrora fora de jovem, hoje ser dum homem maduro, muito maduro.
Cinco minutos, não mais, tinham-lhe roubado o pouco de criança que habitava nele, e com isso o seu impulso de viver, a sua alegria, o seu amor-próprio…
Acordou eram sete da manhã.
Vestiu o seu melhor fato, tinha vários. Os seus imaculados sapatos pretos brilhavam, descia tranquilamente as escadas.
Chovia, chovia intensamente. Apanhou um táxi.
Passado quinze minutos, já entrava suavemente na pastelaria. A sua cara não esboçava qualquer expressão, o seu amigo ao vê-lo sorriu, estendeu-lhe a mão.
A pistola já estava preparada, numa fracção de segundo, uma bala que libertava um pequeno silvo, penetrava o crânio daquele homem que comia tranquilamente.
Saiu a correr, todos na pastelaria, em pânico, mal respiravam…
Apanhou outro táxi.
Chegou ao escritório da mulher, iam fazer uma ano de casamento lá para o verão.
Abriu a porta de repente, ela levantou a cabeça da secretária, não conseguiu ler nada no seu rosto. A pistola em menos de nada apontou!
O cérebro mandou atirar, o indicador não se mexeu.
Ele olhava fixamente aqueles belos olhos azuis, chorava agora de raiva, ajoelhou-se.
A arma ainda apontada, mas o indicador não se mexeu, claramente não se ia mexer.
Atirou a arma contra a parede, gritou, gritou muito, batendo com as mãos no chão…

10 comentários:

ricardo disse...

...mais um excelente post!...
;)
abraço

Pierrot disse...

Bolas...
Fabuloso te digo.
Está fantástico.
O enredo, descritivo, narrativo e prende qualquer um ao monitor.
Fantástico.
Parabéns e abraço
Eugénio

Xanusca disse...

Pum Pum! ehehe Eu já sabia que não ia ter coragem...

Mia Pierrèt disse...

Adorei... a precisão dos momentos, dos sentimentos...
adorei a velocidade do texto (o suave passar do tempo para nos irmos adaptando à pessoa)...
Adorei o "amadurecimento", o crescer da personagem nas pedras da rua.
A vida é assim: basta um momento, há sempre um momento que nos faz rasgar a nossa pele e expandir para todos os lados.
Há pessoas que me fazem pensar:you can make even the most tolerant person develop homicidal instincts! Há pessoas assim, infelizmente!Pelos vistos, a verdade que ele soube, despertou esse tipo de instinto.
baci

pecado original disse...

Um cenário prefeito para um romance. Ia vender bem :9
Excelente. Espero que o tiro tenha passado ao lado.

*** :P

Bel disse...

Pode ter envelhecido mas amadurecido é outra historia.
bom fim de semana

mariabesuga disse...

...o outro lado da serenidade...

Abssinto disse...

Faltou gatilhar... Muito beom mesmo! Abraço

Lara disse...

Lindo! mas que leva uma pessoa assassinar outras duas, por causa de uma traição? mas pq? ciumes, perda, por ter sido enganado? o que?

estou a ler o teu blog e não consigo parar. vou adicionar-te ao meu. :)

Pedro Gamboa disse...

Bad Lolita.

São perguntas que não sei responder…
A verdade é que só sabemos o que somos no momento em que somos, ninguém pode dizer a cem por cento, como vai ser no futuro.
A vida molda-nos…

Muito obrigado pelas tuas palavras. Saudações.