terça-feira, setembro 19, 2006

Júlia

Tinha um olho de vidro, pude vê-lo mal a cumprimentei. Procurei disfarçar o meu espanto, ela era deslumbrante, mesmo naquela sala vermelha, com vários sofás de cabedal negro, ela era deslumbrante!
Vestia apenas uma camisa de dormir, já um tanto rota. Por baixo distinguia-se facilmente um peito redondo e farto.
Tinha um ar tão sujo, peguei-lhe na mão e beijei-lhe os dedos.
Olhei a minha volta, que nojo! Gente imunda, agarrava-se a mulheres também imundas, o ar estava carregado de uma lascívia que contaminava todos.
Duas mulheres gordas ocupavam o sofá do fundo, fumavam observando a clientela, mostravam orgulhosamente, grandes seios já descaídos.
È claro que todos reparavam em mim, o meu fato de fino corte não se encaixava no contexto, aliás, eu não me encaixava no contexto.
Júlia olhava para mim com ternura, tinha as pernas cruzadas, duas pernas longas e pálidas, que quase tocavam as minhas.
Nos seus 42 anos, Júlia era uma mulher cansada, de olhar triste, muito triste!
Tinham passado 27 anos, desde a última vês que tínhamos estado juntos. Ela não me reconhecia, claro que não, eu era um miúdo naquela altura. Eu nunca me esqueci dela, era tão bela.
Desde esse dia, corri que nem louco, trabalhei que nem escravo, juntei dinheiro com avareza.
Enganei, roubei, mas nunca matei! Negociei todo o tipo de mercadoria, lidei com todo o tipo de porcaria, não ganhei amor a ninguém, apenas lutei e principalmente suei.
Suei que nem louco!
Primeiro ganhei respeito, e depois chegou o dinheiro, muito dinheiro!
Hoje estou aqui, finalmente estou aqui!
Tinha um ar tão sujo, peguei-lhe na mão e beijei-lhe os dedos.
Mãe estou aqui!
Inevitavelmente comecei a chorar, sabia que ia ser assim.
Amo-te tanto, hoje tudo muda para ti, sou o teu filho, lutei contra os ódios do mundo, fiz-me pedra para te salvar, vamos viver juntos o tempo que nos resta, torna-me humano outra vez.

8 comentários:

Anónimo disse...

lindo!
adorei o teu texto:)
imagino que seja um original. os meus sinceros parabens:)
beijos

Felina disse...

sublime!!!
Completamente sublime!!!

Rendo-me a ti, meu Amo!!!


Um beijo especial... tenho que te reler, e reler, e reler...

Pedro Gamboa disse...

Sim Eos, é original. Tudo o que coloco no blog é meu.
Muito, Muito obrigado pelas tuas palavras.

Saudações.

Pedro Gamboa disse...

Excepto quando cito alguém, como foi o caso do amigo Óscar Willde.
Nessas circunstâncias, digo sempre a quem pertencem os textos.

Muito obrigado por tudo.

Pierrot disse...

Brutal.
Uma capacidade descritiva e narrativa ao mesmo tempo. Está um texto tremendo.
Emociona-me e de que maneira.
Parabéns e saudações
Eugénio

Abssinto disse...

Linkado(a).

NaLua disse...

Boa Malha!

Xanusca disse...

As coisa que te passam na cabeça... A culpa é dessa aldeia em que vives que está a fazer-te delirar!
Mas não está mal... ;)