sábado, dezembro 02, 2006

Encarnado

Quatro da manhã.
Estou no bar do Hotel, um dos melhores da cidade. Dizem que ocupo um dos cargos mais importantes e bem remunerados duma grande multinacional.
È verdade.
Bebo o meu terceiro whisky, não sinto o álcool, nem quero.
Sinto-me em paz, tristíssimo mas em paz, espero tranquilamente que me venham buscar, sim, eles não tardarão.
Estupidamente aos quarenta e sete não vejo qualquer luz ao fundo do túnel, mas também não me importo.
Hoje quando acordei resolvi abrir o livro, disse não ao fácil, cortei com o lugar comum “A vida é mesmo assim” e parti a loiça, parti com quase tudo o que tenho nesta vida de merda!
Não tenho filhos, a minha mulher não pode ter. Sentei-me como sempre a seu lado na cozinha para tomar pequeno-almoço, ainda não a tinha visto, temos quartos separados, há muito que não dormimos juntos, sem me aperceber muito bem porquê o meu casamento transformou-se numa cooperativa.
Ela estava linda, aliás a minha mulher é lindíssima, no entanto viciou-se no status e é o status que lhe serve alegria e tristeza, oferecendo-lhe mais desta última.
Mas acho que é feliz na sua vidinha.
Procurei beija-la, a custo lá me ofereceu fugazmente a face, procurei o contacto não o conseguindo por completo.
- Estás tão mal arranjado, vais trabalhar assim? Perguntou ela.
- Não vou trabalhar. Respondi.
- Sempre foste um farrapo, mas agora estás a bater no fundo. Disse ela indiferente.
- Amor!? Disse eu.
- Como foi a foda ontem com o Barbosa? Deste-lhe o rabinho? deste? Atirei ironicamente.
- Como te atreves! Gritou deixando-me sozinho.
Fui cantando fazer as malas, não voltarei a esta casa.
Já de noite não aguentei estar com os meus pseudo amigos/colegas de trabalho, aquela gente snobe, vazia de valores que sempre me enervou, a sua única alegria é a tristeza dos outros, estava farto daquilo, todas as quintas-feiras o mesmo triste filme…
Ainda estou a ver a cara deles quando tudo aconteceu, não queriam acreditar no que os seus olhos viam, primeiro riram, pensaram que fazia um número para nos divertirmos, mas há medida que a minha peça se desenvolvia, há medida que observavam com mais atenção os meus olhos, percebiam que tudo aquilo era sério.
E era!
Comecei por mandar sair as cinco adolescentes, nuas esfregavam-se naqueles grandes senhores de fato, assustadas apanharam a roupa dando uma ultima snifadela.
Todos riam ainda não percebendo, olhei um a um, metiam-me asco!
Comecei tranquilamente por partir a televisão, tudo na cabeça deles então mudou.
Taças de cocaína, e copos de vinho voaram pelos ares, procurei bater em todos até ser dominado. Uma vez agarrado prometi ficar calmo.
Quando me largaram corri em direcção ao quarto. Abri a porta de repente, uma bela rapariga encontrava-se atada na cama de barriga para baixo, os lençóis cuspiam droga, ela gritava com desespero, um homem devorava-lhe o rabo vorazmente apagando-lhe um cigarro nas costas. Ela não tinha 17 anos…
Caminhei tranquilamente, o meu cérebro era um autêntico vazio, o Barbosa virou-se olhando para mim, acho que ainda falou qualquer coisa, não percebi.
O quarto encheu-se de sangue. Um tiro bastou.
Fiquei ali parado em silêncio contemplando aquele corpo nu pintalgado de sangue, na outra divisão todos gritavam fugindo, não tardou o silêncio reinou.
Virei costas, apetecia-me um whisky.

17 comentários:

Miguel disse...

Le-se aqui alcool, casamento, infelicidade, infertilidade, loucura, satus, sexo, rotina, falsidade, prostituição, juventude, droga, violência, sado-maso, tiros.
Mais um grande ambiente...digno de um verdadeiro policial com personagens bem caracterizadas.
Vou-me sentar aqui e mandar vir um whisky.

isabel disse...

Para mim um martini. Não sei se tenho estômago para ouvir o resto...

Bom fim de semana.

Jéssica disse...

Nossa, qta desgraça...
Enfim, vida real ou de ficção tem muito de td isto.
Um abraço e bom domingo*.*

pecado original disse...

Como um whisky salva-nos da mmiseria que a nossa alma se torna em contacto com a consciencia. Até o Bond depois de matar bebeu um whisky, mas o pior é sempre o que vem depois!
Exlente, beijo

Abssinto disse...

E ficou a aguardar que o levassem para outro tipo de "hotel". Acho que não pode ser muito pior do sufoco em que le vivia. Ao fim ao cabo, foi uma solução válida.Gostei. Aquela parte dos amigos que ficam felizes com a nossa miséria (e detestam quando nós temos êxito) faz-me lembrar os jantares de convívio da minha ex-turma a que eu deixei de ir (e agora os aniver´sruios dos filhos..).Bom ambiente o da história, negro q.b.

abraço

Pedro Gamboa disse...

Miguel.

Apeteceu-me pintar um pouco a negro…
Bebo contigo um whisky mesmo à distância…

Forte Abraço.

Isa.

Sim, pessoalmente também gosto mais de martini, claro que tens estômago…

Beijinho.

Jéssica.

Sim ficção, embora como sabes tudo isto é triste, tudo isto é fado…

Beijinho.

Pecado Original.

Como se por momentos fosse possível que o whisky nos lavasse de toda a sujidade….

Beijinho.

Abssinto.

Sei do que falas amigo abssinto. Por vezes não há estômago…
Às vezes pensando-nos livres é quando estamos realmente presos…

Forte Abraço.

Lara disse...

Brutal! Adoro este tipo de estória. Não, não sou nenhuma sado-masoquista... apenas acho que não podemos virar a cara a estes casos... pk existem!

poderoso, urbano, perverso e decadente.

muito bom mesmo.
adorei!


tal como adorei o teu comentario no meu blog. uns dos mais bonitos que lá deixaram...

beijo

Estranha pessoa esta disse...

Terra a terra.
Como que uma campainha!
Foi assim que senti!

Estranha pessoa esta disse...

Assim como a tal cadeira vazia, o vento a soprar lá fora....Naquelas velhas escadas resta apenas o vazio...


Talvez.
Tudo mude.


Quem sabe.

Miudaaa disse...

Encarnado.Sangue.Magenta.Rubro.

Amor Ausente.

Pessoa Carente.

Uma vida espera-te...

Descreves na perfeição o dia a dia de tanto ser muito pouco feliz.

Um beijo da miudaaa

Sendyourlove disse...

apeteceu-me partir umas coisas e esmorrar umas caras...decisões.

Lara disse...

e onde anda o menino?

beijo

Anónimo disse...

Martini Bianco!

Pedro Gamboa disse...

Bad Lolita.

Obrigado pelas palavras, ficcionei sempre com a ideia presente que, primeiro, não contava nada de novo, e segundo, que este conto podia bem ser verdadeiro…

Beijinho.

Estranha pessoa esta.

Junto estas palavras porque me da prazer, mas saber que provoca sensações em quem as lê é um retorno enorme que não esperava…

Beijinho.

Miudaaa

Viste bem as cores do quadro…

Beijinho.

(I)oca.

Acredito que as vezes a vontade de bater deve ser enorme…

Beijinho.

Daniela mann.

Sim bianco, claro. Uma excelente bebida…

Saudações.

Marlene disse...

Sabes que páro aqui muitas vezes? E o "parar" é literal. Petrificada, encantada e aterrorizada ao mesmo tempo. Será possível? Adoro o que escreves.

Não bebo whisky mas faço-te companhia com todo o prazer!
Abraçito pensante

Marlene disse...

(e é claro que todos sabemos que é "abracito" e não "abraçito"...eheh)

Pedro Gamboa disse...

Marlene.

O que escreves e descreves é exactamente o que mais prazer me dá neste blog, obrigado pelo retorno, só tenho pena de ter mais tempo…

Beijinho.