quarta-feira, dezembro 06, 2006

Outono

As folhas castanhas colam-se aos pés, árvores, todas choram, consigo ver bem…
Passa por mim um casal jovem, também eles choram, não sei porquê…
Sozinho deambulo pelo jardim, olho para o astro, tão cinzento, tão enevoado, de certeza que está a chorar…
Não chove, apenas um frio que aquece é minha companhia, aquece-me a alma, traz-me uma réstia de felicidade que não sei de onde nasce.
Sou invadido por uma leve brisa, como cheira bem…
O aroma a terra molhada envolve-me, junta-se a mim na última caminhada, eu sabia que ele se vinha despedir. Sempre para mim foi Rei e Senhor, o mais nobre dos perfumes…
O cheiro da mãe natureza, o cheiro da minha Mãe!
Continuo a caminhar, o pequeno jardim ficou para trás, desbravo por lamas rijas, estou quase lá…
Reparo no velho pomar, ai se pudesse voltar a trás, porque não posso arrancar quarenta anos de vida, como quem rapa um cabelo comprido.
Apenas por um dia, apenas por um dia…
Naquele velho pomar, corri, saltei, cai, chorei, mas principalmente ri! Ri muito, troquei abraços, beijos, palavras de amizade…
Lembras-te filho? Foi aqui que tantas vezes brincámos, foi aqui que te castiguei, foi aqui que selámos uma amizade para todo o sempre, foste sempre bom, sempre amigo da família, irmão que nunca tive.
Foste embora cedo demais…
Chego finalmente, debaixo do velho carvalho estou em casa.
Tive várias casas, vivi em vários lugares, assim a profissão o exigia, mas só aqui me sinto em casa, sempre foi assim…
Sento-me no mocho que há muito estava destinado a ser o meu último trono, olho a paisagem, tudo é castanho, tudo é encarnado, tudo chora…
Lembras-te foi aqui?
Sentei-te neste mesmo mocho, estavas linda como sempre, rias para mim com aquela cara que achava toda a minha panóplia ridícula, mas na realidade amando cada movimento que fazia, afastei-me um pouco para te ver sentada.
Que silhueta, que mulher, com os caracóis ao vento sorrias para mim, mostravas uns sublimes dentes brancos, o teu olhar era inocentemente sedutor, tinhas a sabedoria no rosto, todos te queriam, quiseste-me a mim nunca percebi porquê, aproximei-me outra vez.
Peguei-te na mão, ajoelhei-me, os teus dedos miudinhos pareciam nervosos, sorrias agora ligeiramente, uma lágrima saltou-te do olho, enfiei o anel, estávamos selados para sempre, disseste sim…
Foste embora cedo demais…
Desabotoo-o o velho casaco, uma ligeira brisa sopra mais forte, tiro do bolso a negra pistola, respiro fundo…
Sinto o cano frio encostar debaixo do queixo, nunca pensei que fosse assim…
Mas tenho tantas saudades, sinto tanto a vossa falta…
Uma criança cai no chão.
De repente apercebo-me que uma criança simula, rindo muito, uma queda no chão.
Pum! Mataste-me avô, mataste-me com a tua pistola …
Anda avô! Agora é a minha vez, eu sou o Índio tu és o cowboy…

16 comentários:

... disse...

"Sou o indio, tu és o cowboy"...
Terno este Post ... ligaçáo tão necessária entre as gerações.

Um prazer!
Um beijo e obrigada pelo teu carinho na minha casa onde, acredita serás, como eu espero ser aqui, muito bem vindo!

Mel

S. disse...

Entre a nostalgia e a ternura que emana deste texto, fiquei com uma sensação de Paz na boca. É como um ciclo, girando sobre si mesmo e reinventando-se a toda a hora nas pessoas que vão sendo semeadas na nossa vida, roubando pedacinhos de afecto e, assim, acordando-nos para uma juventude eterna.

Obrigada pela visita e por me teres aberto o trilho até este teu mundo.

Gostei e vou voltar.

Pierrot disse...

Que lindo Pedro.
Como que um regresso à infãncia
Uma viagem pelas memórias.
Uma obra de arte esta tua escrita.
Parabéns.
Abraço
Eugénio

Abssinto disse...

Sempre nostálgico, caro Pedro...e o que eu gosto disso! abraço

Anónimo disse...

nostalgia, saudade...
Muito lindo!
Beijinhos

Lara disse...

és o eterno romantico :)

está lindo.

beijo especial para ti

Maresi@ disse...

Belo Pedro...nostalgico, fazendo reviver uma enchente de emoções....

Grata pela visita

Beijo suave____Maresi@

pecado original disse...

Tens demasiado de mim aqui...
És o sorriso perfeito do outono e a esperança que o inverno seja melhor.
Hoje lembrei-me do meu avó e molhei o lençol com duas lágrimas, uma por ter partido outra por saber que está bem.
É o Outono

Luís Galego disse...

bem escrito....comovente, ufff, tão real.

Ana Luar disse...

os sentimentos expressos em palavras comoventes... ADOREI Pedro.

Pedro Gamboa disse...

Venezina ou avezeniana.

És sempre bem vinda, obrigado e um beijinho.

S.

Bonito o que escreveste, uma sensação de paz na boca…

Beijinho.

Pierrot.

Forte abraço Eugénio, as vezes penso que era bom voltar por umas horitas…

Abssinto.

Sim, a nostalgia dança muito em mim…
Já vi que também consomes.

Grande abraço.

Mãeterra.

Bocadinhos de terra que juntei para fazer um monte…

Beijinho.

Daniela mann

Obrigado, pintei um pouco com a tinta da nostalgia, é verdade…

Beijinho.

Maresi@

Uma enchente emoções…
Que importantes são…

Beijinho.

Pecado Original.

Que bem escreveste! È para mim um enorme retorno que te tenhas identificado nem que seja apenas um pouco com este pedaço de ficção.

Beijinho.

Luís galego.

Obrigado, embora inventado a verdade anda sempre por lá…

Ana Luar.

Obrigado, um beijinho grande.

AB disse...

Brigada pela visita :)

Volta sempre.

PS: gosto de ler-te. Go on with the good work!

:)

Pedro Gamboa disse...

aitb.

Obrigado...
Alegres Saudações.

Anónimo disse...

gosto das cores quentes quentes do outono, vejo que esse calor tambem esta nas tuas palavras...
gosto muito do calor que passas.
um beijo

Miguel disse...

Tens uma capacidade inata para descreveres sentimentos. Para encheres as personagens deles. Olha, Pedro, gosto dos quadros assim pintados de cores fortes nos sentimentos. Mas, sabes existem do outro lado do quadro das cores, tantas mas tantas que mereciam ser por ti cantadas. Os sentimentos devem ser vividos assim, coimo os descreves. Intensamente, sem fugas. Mas os difíceis e os bons. Esses também são grandes e ajudam-nos a suportar o inverno e a chuva

Pedro Gamboa disse...

Snowflake.

Em tudo na vida é preciso calor…
Beijo


Miguel.

Como gosto de te ouvir, como é certo o que dizes, também eu já tinha feito essa leitura e sei bem do que falas.
Sabes que quando “arranco” para estes textos nem sempre sei por onde vou, e a verdade é que tenho constantemente caminhado num mesmo “negro” caminho.
Como me da prazer escrever da luz e do brilho, vou procurar sem forçar…

Um forte abraço.