domingo, abril 13, 2008

Vento

Ele sobe agora as escadas, vem de rastos…
Senta-se no gasto cadeirão, reflecte nos seus 34 anos…
O que ele viu hoje marcou-o para sempre, jamais será o mesmo, percebeu finalmente…
Talvez ainda não seja tarde de mais…
Bom! Mas o melhor é começar pelo princípio, vou contar-vos tudo.
Lucas era sem duvida o miúdo mais fofinho do 5º Ano, todas lhe escreviam pequenos bilhetes cor-de-rosa dissertando sobre como era lindo que o amavam para a vida toda que queriam sentar-se sempre a seu lado na sala de aula.
Lucas estava a um passo de fazer o seu primeiro desfile internacional, desde os 14 anos que era economicamente auto-suficiente e agora aos 16 começava a construir uma carreira de manequim.
Lucas não fazia contas, acabara de pagar um enorme apartamento e poucas coisas lhe davam mais prazer do que conduzir o seu rápido topo de gama, apenas talvez quando fumava um charro e logo a seguir entrava fundo no corpo de uma bela mulher.
No alto dos seus 20 anos desfrutava do paraíso na Terra.
Lucas fazia um esforço enquanto bebia uma garrafa de champanhe na praia para se lembrar com tinha sido a sua primeira vez, não conseguia. Enquanto pensava observava as curvas da bela asiática que dormia a seu lado, colega de profissão com quem vinha dormindo casualmente há um mês, tinham ambos 28 anos.
Já de manhã sozinho no quarto do hotel apercebia-se de como uma tristeza que sempre existiu no seu coração tinha vindo nos últimos anos a crescer, a crescer de tal forma que se tinha tornado um fardo tão pesado que ele quase não conseguia suportar.
Lucas nunca tinha tido uma relação que durasse mais que 6 meses, tinha estado com mulheres de todo o mundo, tinha partilhado com elas experiências fantásticas, conhecido lugares lindíssimos, mas nenhuma lhe tinha tocado no coração. Ele também nunca tinha procurado envolver-se, às vezes sentia que começava a nascer nele alguns sentimentos por esta ou aquela mulher mas rapidamente começava a detectar nelas alguns defeitos, alguns aspectos ridículos que o irritavam de morte. Sentia então uma rápida vontade de terminar tudo.
Outras vezes achava que a relação tinha tudo para dar certo, que gostava mesmo dessa rapariga, mas depois num qualquer bar, restaurante ou até sala de cinema via uma outra jovem que lhe despertava o interesse, então astutamente lançava-se numa enorme cruzada de conquista que com maior ou menor dificuldade vencia!
Aquela tristeza estava a fazer dele um farrapo, amanhã era o seu dia de aniversário, fazia 34 anos.
Cada vez tinha menos cuidado com a sua imagem, cada vez o álcool e o cannabis eram sua maior companhia, das poucas vezes que saía para beber um copo constatava que o seu encanto com as mulheres já não era igual, que a noite já não era igual, que a sua profissão já não era igual, mas também não se importava, basicamente ele não se importava com nada…
Tinha combinado passar o dia de anos em casa dos pais, chegou ao terminal de autocarros e optou por ir a pé para casa em vez de chamar um táxi.
Passou pelo velho jardim onde brincou enquanto criança, sentou-se e acendeu um cigarro, ficou ali a olhar para as árvores.
O som de crianças a brincar chamou-lhe a atenção, observou então os velhos escorregas onde brincavam duas crianças que deviam ser irmãs, um rapazito com não mais de 5 anos e uma menina de 3, bonitos bastante loirinhos.
Reparou então nos pais das crianças que estavam ali por perto, a Luísa e o Ricardo, conhecia-os bem. O Pai das crianças tinha sido seu colega de escola, tinham nascido no mesmo ano, nunca tinham sido amigos. O Ricardo sempre fora conhecido na turma por ter muitas dificuldades em aprender, e também por não ter jeito para praticar desporto. Lembrava-se agora de Luísa uma rapariga não muito bonita, um tanto gordita e cheia de borbulhas também da sua turma.
Eles tinham começado a namorar no 9º ano. Enquanto observava melhor Luísa constatava que era uma mulher agradavelmente bonita, via-se que era a mãe daquelas duas crianças, mas ainda assim bastante atraente. Tinha envelhecido bem!
Ficou a olhá-los sentindo aquela tristeza explodir dentro dele como um vulcão…

8 comentários:

pecado original disse...

Casos tipicos da nossa sociedade, mas o simples facto de ele pensar na tristeza é uma boa razão para continuarmos a acreditar que tudo ainda está no principio.

Um beijo e bom regresso :)

Sendyourlove disse...

um não sei quê que queima, uma tristeza que insiste e persiste, o não se assentar na nossa propria vida!

Um Momento disse...

Há alturas na vida em que pensamos que se não pensarmos no que não nos interessa ... esta nos sorri...
Mas há uma altura em que tudo nos faz mudar ... mais tarde ou mais cedo... "caimos "na realidade.. e aí sim... começaremos a pensar em VIVER... e não a "sobreviver"

Bom texto e bom momento de reflexão:)

Beijo... em Ti

(*)

Anónimo disse...

Que excelente regresso, amigo Pedro. Senti uma opressão de deja vu aqui no peito. Forte.

abraço

NARNIA disse...

Grande conteudo este post.
Por vezes as reflexoes e os balanços conseguem inverter os factos e mudar de direcção.

Patrícia disse...

Concordo perfeitamente!

Esta é a paga de vivermos uma vida rápida: cheia de sexo anónimo, de drogas e alcool.

Mas , um dia sentimos a falta do verdadeiro calor humano, daquela calor humano que nao se encontra numa unica noite de sexo. Só que já é tarde de mais.

beijinho ^^

Yelaiah disse...

Só entendo a tristeza de uma única forma... Tristeza por não ter sido banhado pelo enontro com alguém especial que merecesse acalmar os agora 34 anos dele.
As oportunidades que passaram não foram desperdiçadas, apenas não eram oportunidades na realidade.
De que vale, a dada altura, acharmos que nos devíamos contentar com o que tivémos? Se na altura não bastou para nos fazer parar e olhar para trás é porque não tinha que ser...
Já não tinha que ser, há quem não nasceu para o natural...

Um beijo

winkle disse...

estava passando por aqui.. e não posso deixar de dizer que adorei o texto..É uma estória que acaba por ser tão vulgar e ao mesmo tempo tão fácil de especial. A forma como esta escrita, faz-nos sentir próximos de Lucas e subitamente quase que sentimos um ímpeto de tristeza!

Obrigada pelo texto.