domingo, novembro 19, 2006

Chuva

Hoje sou um fantasma.
Não percebo porque? Ninguém olha para mim, as mulheres passam por mim na rua ignorando-me completamente.
Sei que não é dos meus sessenta anos. Nem sempre foi assim!
Sei-o bem, mesmo que não queira admitir hoje sou metade do que fui, a vida levou-me o encanto, a beleza, só me deixou o dinheiro! Esse fiel amigo que curiosamente sempre insistiu em acompanhar comigo, mesmo sem eu fazer muito por isso.
Insiste em acompanhar-me mesmo sabendo que não gosto dele, mesmo sabendo que no fim o odeio, e que principalmente o culpo da sombra que sou hoje.
Sei que foi ele o estratega, sei que foi ele que levou um filho a afastar-se dum pai.
Como estará ele? faz hoje dez anos que não o vejo…
Apenas sei dele pelas outras pessoas, sei que é escritor, sei que escreve na esperança de um dia ver reconhecido o seu trabalho, nunca desde pequeno deu importância ao dinheiro, como o percebo agora… Admiro-o!
Mas não tenho coragem para lhe dizer.
Enquanto vou reflectindo nestas coisas, sinto aquela tristeza que me acompanha instalar-se gradualmente.
Hoje vou ser jovem outra vez, nem que para isso tenha que pedir ajuda ao meu sempre amigo.
Não há nada mais belo que o corpo duma mulher, jovem, cheio, simplesmente sublime!
Ainda enrolado no lençol abraço um charuto, és linda Julia!
Quase fui feliz por momentos, mergulhar naquela jovem desconhecida, beijar aquelas longas pernas, tenha sido uma experiência inesquecível, nunca o fizera antes, que bonita mulher… Ainda assim nunca, nem por um segundo, adormeci a minha dor, nem por um instante consegui calar a minha tristeza.

Deitada, saboreava o seu copo de vinho, ainda sentia o cheiro do seu último cliente.
Júlia desde cedo começou a perceber que despertava nos homens uma reacção diferente. Mesmo ao principio, não percebendo qual.
Preguiçosa, e gostando disso, não foi de estranhar que ainda antes de atingir a idade adulta já ganhava num mês o que os seus pais nunca ganhariam num ano.
Vestiu o seu roupão de cetim, desceu escadas a baixo, eram quatro da tarde.
Enquanto passava perto dum quarto, não pode deixar de ouvir suaves gemidos de prazer, chegando cá em baixo, apenas duas colegas se encontravam sentadas, conversavam nos enormes sofás de veludo.
Voltou para o seu quarto, pensou nele, que falta lhe fazia…
Sabia perfeitamente que estava a cometer um erro, mas não podia evitar, tinha acontecido algo especial quando o conheceu, algo mudara dentro dela, uma estranha admiração por outro ser humano tinha nascido no seu peito.
Até ai, jamais tinha admirado alguém, a não ser ela própria é claro!
Passar aquela semana com ele tinha sido de sonho, ter a oportunidade de vê-lo trabalhar, poder apreciar como vivia, aquilo em que acreditava, como saboreava as coisas simples e principalmente como escrevia, que bela era a maneira como escrevia!
Suspirava agora Júlia, enquanto se espreguiçava na já gasta cama redonda, vaidosa ia se mirando no espelho que se encontrava no tecto, tinha desapertado o roupão, nua, deitada na cama sentia-se adormecer.
Sonhava com o seu escritor…

14 comentários:

£ou¢o Ðe £Î§ßoa disse...

Tem momentos na vida que deixamos de ser egoístas e dedicamos a vida a alguém...

Abraço, até outro instante!

Abssinto disse...

Nostalgia. Doce como aniz. Recordar é apesar de tudo, viver. Abraço espadínio

Lara disse...

Assim que li, pensei nestas duas frases:

A beleza é efemera...


O amor chega a todos...

mais uma vez, um belo texto pedro!

beijooooo

Sendyourlove disse...

Gostei de descobrir este espaço porque se lê muito bem estes teus textos muito bem escritos!

susana disse...

olha vim cá porque gostei da resposta que deste ao post do pierrot! As músicas são como orgasmos!Acho que traduziste muito bem a sensação que algumas provocam!
Gostei do texto, apesar de não concordar muito com o negócio desse tipo de mulheres!Eu pessoalmente não me sentiria bem sabendo que a pessoa estava ali, só porque foi paga para isso.Acho que ainda me sentiria mais deprimida!Mas os homens são diferentes, já sei....
Só não percebo muito bem o fim, o filho dele também frequentava a mesma prostituta??
beijos

Miguel disse...

As coisas que a tua imaginação produz!
Bravo...
Os teus quadros são fáceis de ver, sente-se o ambiente, a cor...

pecado original disse...

Chega uma fragancia fria, gélida e experiente.
Momentos que nos separam, são momentos que nos unem posteriormente.
Belo o discurso.

Hannanur disse...

As Júlias permanecem eternamente na cabeça dos escritores ? Mais que as outras?

Gostei muito

Pedro Gamboa disse...

Louco d Lisboa.

Bonitos momentos esses.

Abraço e até outro instante.

Abssinto.

Não sabia que a nostalgia era doce como aniz…
Mas sim! Parece-me que é…

Abraço espadínio. 

Bad Lolita.

A beleza é efémera… Tem qualquer coisa de cruel, mas também de justiça esta frase.
Obrigado e um beijinho.

(I)oca.

Muito obrigado, tem sido um enorme prazer juntar umas palavras…

Beijinho.

Missixty2000.

Difícil responder ao Pierrot…
Compreendo bem o que dizes em relação ao negócio.
Sim, o filho é que frequentava a prostituta, o pai foi a primeira vez…

Beijinho.

Miguel.

Obrigado pelas tuas palavras, fico feliz pelos quadros serem claros.

Forte Abraço.

Pecado Original.

Belo o teu discurso! Bem verdade o que escreveste.

Beijinho.

Memórias de um sorriso luso.

Sinceramente não sei.:)
Eu gosto muito do nome Júlia, embora não saiba bem porquê…
Só agora a responder-te é que me toquei que se calhar sou um escritor…
Todas as pessoas que escrevem alguma coisa são escritores… Não são!?
Beijinho.

Pierrot disse...

Estes momentos, sem inicio nem fim, são qualquer coisa caro amigo.
Estas narrativas abertas, tão prosaicas, tão informais, davam autênticos filmes.
E faltam-me os adjectivos.
Abraço
Eugénio

david santos disse...

Bom texto, Pedro. Adoro este texto. Os momentos que nos separam, não poucas vezes(). Muito bem, Pedro. Este texto deixou-me a pensar!
Parabéns.

Sarah disse...

Apenas... adorei o teu blog!
Vou voltar de certeza (mesmo que não comente).
Beijo doce

Sarah disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Pedro Gamboa disse...

Obrigado Eugénio.
Como bem sabes dá um gozo enorme pintar estas coisas…

Forte Abraço.

David Santos.

Obrigado pelas palavras.
Tem sido uma experiência interessantíssima beber de varias fontes e ouvir o que pensam os que bebem da minha…

Alegres Saudações.

Fell me(na).

Obrigado por teres vindo nadar nestas palavritas.
Volta sempre, vou agora mergulhar na tua mesa.

Sarah.

Mesmo que não comentes, vou sempre apreciar imenso a tua visita.
Obrigado pelas palavras…

Beijinho.